Miguel está em um período em que mede forças comigo e com o pai o tempo todo. O danadinho tenta negociar tudo, desde a hora do banho até a roupa que vai vestir. Fico me perguntando quando meu filho vai deixar de ser um selvagem pra entrar de vez no mundo civilizado. Há que se ter muita paciência nessa fase que é uma das mais fofas, cheias de gracinhas e tiradas impagáveis, mas também com muita birra e briga por espaço. Consola conversar com mães e ver seus filhos crescidos, adolescentes educados e lindos e ouvir que um dia esses seres fofos também foram selvagens.
Meu filho tem personalidade forte e me leva a loucura algumas vezes. Outro dia estava na piscina do clube com ele, minha irmã, meu cunhado e minhas duas afilhadas. Miguel quis levar um pedaço de bolo pra lanchar - ele é louco por bolo! - e eu levei embrulhadinho. Chegando lá, estava tudo ótimo até ele resolver comer o pedaço de bolo. Tirei o moleque da piscina e disse que ele se sentasse a mesa pra comer. Foi o que bastou pra começar o vexame. Ele disse que queria comer o bolo na piscina e eu expliquei, calmamente, que não seria possível, não se pode comer na piscina. Ele insistiu. Eu disse não. Ele começou a chorar e a bater pezinho. Gente, tem coisa mais irritante do que criança batendo o pezinho pra conseguir o que quer? Acho que só criança que se joga no chão consegue superar a primeira... Se eu estivesse em casa já teria perdido a finesse e gritado pra ele parar com a viadagem, mas como estava no meio do clube e a piscina estava relativamente cheia, mantive a calma e o tom de voz pra não "sair do salto" fazendo a linha "nada me tira do sério" e o coloquei sentado pra pensar. Ele levantou da cadeira e, pasmem, me deu um tapinha. Disse a ele, com o sangue fervendo, que não admitia esse comportamento e que ele só sairia da cadeira pra me pedir desculpas e que se ele continuasse com a birra, iríamos embora pra casa. Nada de piscina. E não é que o garoto levantou da cadeira, derrubou a cadeira, bateu nas primas, derrubou tudo o que estava sobre a mesa e ainda arremessou o bolo longe?
Acho que foi uma das minhas maiores vergonhas até agora. Mãe é sempre julgada por tudo mesmo, pensei eu. Se eu enfiar a porrada nesse selvagem - o que seria contra tudo o que acredito, não acho que palmada educa ninguém, embora não condene quem pense o contrário porque muitas vezes tive vontade de voar no pescoço do meu filho - todos vão me condenar dizendo que sou uma covarde e descompensada. Se optar por conversar com ele, depois de tudo o que ele fez na frente de todos, vão me chamar de idiota. Optei por passar por idiota e, como havia dito a ele, arrumei nossas coisas e agarrei o garoto no colo e fui embora.
Quando coloquei o Miguel no carro e estava sozinha com ele, eu parecia totalmente ensandecida, liguei o carro e comecei a gritar. Gritei tanto com ele que cheguei em casa rouca depois de um trajeto que leva apenas 15 minutos. Gritava que era um absurdo esse comportamento comigo, gritava que achava que ele estava querendo entrar na porrada, enfim, falei as maiores atrocidades. Quando chegamos em casa, abri a porta do carro e disse que ele saisse do carro sozinho - o que, para minha surpresa, ele fez rapidamente - e que fosse pro quarto dele imediatamente, eu não queria ouvir sua voz e nem olhar pra sua cara. Agora lembrando me dá até vontade de rir... Bom, fato é que Miguel obedeceu e daí a uns 10 minutos veio chorando me pedir desculpas. Fiz com que ele telefonasse pras primas pra se desculpar com elas também.
Nesse dia fiquei me lembrando de quando eu e minha irmã éramos pequenas, devíamos ter uns 10, 11 anos e todo domingo tinha briga lá em casa porque era o único dia em que nós tínhamos a obrigação de arrumar nosso quarto. Minha mãe adorava almofadas, aliás adora até hoje e, em cima de nossas camas devíamos ter umas 15 almofadas cada uma, em formato de coração. Putz, além de esticar o lençol, o travesseiro, dobrar a coberta e colocar a colcha, ainda tínhamos que arrumar as trocentas almofadas em cima da cama. Resumindo, nesse tal domingo em especial, eu e minha irmã estávamos embromando tudo o que podíamos pra não arrumar o quarto quando eis que, de repente, minha mãe que já tinha falado pra gente arrumar as camas umas mil vezes adentra o quarto totalmente louca, gritando que não era nossa escrava, que trabalhava muito de segunda a sexta pra nos dar tudo que tínhamos e que pedíamos - gritando aquelas coisas todas que, agora sei, TODAS as mães falam em momentos de desespero e estresse. Como se não bastassem os gritos, Dona Iris resolveu tacar, cheia de raiva, as muitas almofadas que estavam no chão em nossa direção. Só que, atrás de nós, a janela e a cortina estavam abertas e as pobres almofadinhas estavam indo parar no meio da rua. A gente morava no terceiro andar do prédio... Quando minha mãe estava quase acabando com as almofadas arremessando na gente enquanto nos esquivávamos, ouvimos alguém gritar lá de baixo: "Ei, ei, as almofadas estão caindo aqui em baixo!!" Ok, como se a gente não soubesse... O que a gente não precisava era que todos os vizinhos estivessem presenciando aquela cena patética e pior, minha mãe fez a gente descer e catar todas as almofadas que estavam no meio da rua!!
No fundo, sempre achei que minha mãe fosse doida. Só que quando nos tornamos mães, entendemos tanto a respeito de nossas próprias mães... Entendemos e admiramos. Nosso olhar pra com nossos pais muda totalmente. Passamos a compreender tudo ou quase tudo e a agradecer ... O que a gente descobre com a maternidade é que, na verdade, todas as mães são loucas, nem que seja um pouquinho, e que enlouquecer, de vez em quando, pode ser a solução pra continuar sã.