Quando li o relatório de avaliação do Miguel da escola, notei que havia uma preocupação, justificada, com o desenvolvimento da independência das crianças nessa fase da vida. Com relação especificamente ao Miguel, estava alí pontuado a necessidade de que eu o deixasse fazer suas tarefas cotidianas sozinho, como calçar seus sapatos ou colocar suas meias.
De fato, na correria do dia-a-dia, com tempo contado pra chegar em casa e levá-lo pra escola, tanto eu quanto a Taninha optamos por fazer as coisas que ele deveria fazer, apenas para ganharmos tempo, mas compreendo que isso atrapalha um processo que deveria ser dele, por mais tempo que leve. Estou tentando melhorar e deixá-lo calçando suas meias, mesmo que muitas vezes elas fiquem tortas ou que ele saia com um pé de meia diferente do outro.
Só que outro ponto foi mencionado despretensiosamente, só como exemplo mesmo, e ele vem me incomodando... Esse outro fator de estímulo ao desenvolvimento da independência da criança é com relação a deixarmos o filho na quadra da escola perto da professora, nos despedirmos alí e pronto. Quando eu estava viajando e o meu cunhado levava o Miguel pra escola, era isso o que faziam: se despediam na quadra e Miguel seguia com os amigos e professora para a sala de aula.
Acontece que quando sou eu que o levo pra escola - e isso é todos os dias, com raras exceções - Miguel segura minha mão e pede: "Me leva até a sala, mamãe?" E eu tenho conversado com ele, dizendo que ele está crescendo e que eu posso deixá-lo sozinho na quadra e que sei que ele pode ir sem minha companhia, até a porta da sala de aula. Ele diz que entende mas, invariavelmente, me pede que o acompanhe.
E eu estou pensando nisso desde que voltei das férias, nessa "necessidade" de deixar meu filho sozinho pra estimular sua independência e algo nisso não está batendo legal dentro de mim. Algo está me incomodando nessa parte. É que, na verdade, não acho que deixando meu filho seguir sozinho pra sala de aula quando ele solicita minha companhia seja indicador maior ou menor de independência. Entendam bem: eu não teria NENHUM problema em deixá-lo sozinho na escola seja em qualquer parte dela porque confio no trabalho da instituição, desde que meu filho quisesse.
Desde que Miguel nasceu, venho criando meu filho pro mundo, pra não depender de mim, pra se virar sem minha presença. Prova disso é que viajo todo ano sem ele! Miguel coloca sua cueca sozinho e tenta calçar suas meias, seus sapatos e come sozinho. Enfim, estou estimulando ao máximo que não precise de mim. Miguel fica sozinho na casa da tia, da avó. E me dá "tchau" sem nem pensar duas vezes quando vai se divertir. Miguel é dessas crianças que não solicita minha presença pra brincar ou ver TV. Brinca em seu quarto horas com seus brinquedos sem que eu necessite ficar por perto. Quando está com fome, muitas vezes vai sozinho até a cozinha e abre o armário pra escolher o biscoito que quer ou abre a geladeira pra pegar a fruta. Uma das únicas coisas que Miguel pede que eu faça com ele é ir até a sala de aula. Por tudo isso, quando páro pra pensar que dentro de muito pouco tempo meu filho será o primeiro a me dizer que não preciso mais nem entrar na escola com ele, que posso deixá-lo no portão mesmo pois subirá sozinho, não vejo motivo para apressar as coisas.
Logo, logo, beijar a mãe na frente dos amigos será "pagar mico". Sair de mãos dadas com a mãe na rua será demostração de "infantilidade". Então, porque não aproveitar esses momentos em que meu filho adora me ter por perto em sua plenitude? Por enquanto, Miguel quer ter sua mãozinha na minha, quer que eu o conduza até a porta da sala de aula. Seja lá por que motivo for, isso o faz feliz. E ontem, depois de muito pensar a respeito, decidi que não vou mais tocar nesse assunto com ele. Vou levá-lo até a porta da sala de aula até ele manifestar o desejo de que eu pare de fazê-lo. Meu filho não será menos independente apenas porque gosta que sigamos juntos até a sala de aula. Tudo tem seu tempo e no tempo do Miguel isso vai deixar de acontecer. E, concordemos: o tempo passa tão depressa...
Sejamos, então, independentes na decisão de vivermos plenamente, satisfazendo nossos corações, esse curto trajeto que vai da quadra até a sala de aula.