Estava conversando com minha irmã sobre filhos. É um assunto recorrente entre nós e quem tem filho sabe bem porquê. Essas criaturinhas ocupam nossos minutos e nosso pensamento quase o tempo todo - ou seria o tempo todo mesmo? Às vezes acho que já me acostumei a isso, a não ter meu pensamento só pra mim, a dividí-lo o tempo todo com o Miguel. Às vezes, ainda me assusto. Pois bem, estávamos conversando que eu e ela - apesar de termos filhos fofos, carinhosos, bacanas e tal - não temos esses filhos que a gente chama de "os filhos maravilhosos do facebook".
Já repararam que o filho de todo mundo no facebook é perfeito ou quase? Os filhos do facebook amam estudar. São organizados, arrumam seus quartos, fazem suas tarefas ao primeiro comando dos pais, não esquecem de nada, comem tudo. Ai... Eu canso disso sabe? Ou será que tenho inveja? Cara, não sei. Quando penso nisso e uso minha razão concluo, mais uma vez, que ninguém quer contar derrota né? E concluo, também, que perfeição não existe, não nesse plano espiritual no qual estamos todos nós. Mas essa coisa de todo mundo enaltecer seus filhos o tempo todo me dá um nervoso...
Chego em casa e encontro o quarto do Miguel parecendo que um furacão passou por alí. Peço pra ele arrumar. Uma, duas, três mil vezes, talvez. E ele só se mexe quando estou virando uma bruxa. Se é que vocês me entendem. Se eu não falar pro meu filho escovar os dentes, ele é capaz de ficar dias sem lembrar que dentes existem! Banho?? O garoto parece um bode! Tenho que ficar em cima, do contrário ele mente pra mim dizendo que já tomou banho quando nem perto do chuveiro passou. Quando finalmente vai pro banho, tira a camiseta e joga pra um lado, tira o short e joga pro outro. Tira a cueca e sai dançando pelado com a cueca na cabeça até decidir jogá-la pro alto também. Ele nunca coloca a roupa suja no lugar destinado a elas. Eu sempre tenho que pedir que o faça. Agora que está de férias, só o que sabe me dizer é que está rezando pra elas não terminarem nunca. Ai, gente... Ele só tem 5 anos. Por aí já dá pra avaliar o tamanho do meu sofrimento nos anos vindouros.
Lidando com tudo isso na minha casa, ao abrir o facebook e olhar posts e mais posts de gente falando que o filho é a oitava maravilha do mundo, é preciso ter muito discernimento pra não me abalar. Muitas vezes acho que a melhor solução é eu pensar que é mentira. Ok. Mas e se for verdade? Seriam essas pessoas super mães e pais? Seria eu uma bosta de mãe? Seria eu uma criatura que não sabe controlar o filho ou fazê-lo entender a importância de tarefas simples? Olha, não sei não. Eu sou do jeito que aprendi com minha mãe. E eu cresci ouvindo minha mãe reclamar um monte de mim e da minha irmã desde crianças até depois da fase da adolescência. Reclamava que a gente não tirava o uniforme assim que chegava da escola. Reclamava que só queríamos comer besteira. Reclamava se o quarto não tinha sido arrumado. E reclamava MUITO e principalmente aos domingos, quando a gente não tinha empregada, de que não tínhamos nem tido a decência de fazer a cama.
Até por causa de uma dessas brigas, passamos uma vergonha danada uma ocasião. Era dia de domingo e a gente morava em uma rua, como em todo subúrbio, com certo movimento nas manhãs de domingo de gente que ia ou voltava da missa, gente que estava indo pra padaria comprar os últimos ingredientes pro farto almoço de domingo e gente que já estava indo pro boteco tomar sua gelada. Enfim, janela do quarto aberta pra vida entrar. Onze horas da manhã. Minha mãe, já estressada, entra no quarto aos berros perguntando se nós não íamos arrumar a cama. Sem nos dar chance de resposta, ela começou a gritar ainda mais alto aquelas coisas de mãe:
- Vocês não têm consideração comigo! São duas parasitas! Nem em dia de domingo arrumam as camas! Quero ver como vai ser a casa de vocês! Vão viver no chiqueiro!
Enquanto esbravejava, resolveu começar a arrumar as nossas camas, afinal eu e minha irmã já tinhamos levantado delas há muito tempo na intenção de começar logo a fazer alguma coisa antes que nossa mãe tivesse um treco. Só que minha mãe sempre teve mania de almofadas e cada uma de nós devia ter umas 12 almofadas em formato de coração em cima da cama. E acho que todo mundo sabe o que acontece quando uma pessoa está com raiva e começa a gritar só que ninguém que está perto fala nada, não é mesmo? Pois é. A pessoa fica com mais raiva ainda. E aí, enfurecida, minha mãe começou a tacar as almofadas em formato de coração na gente. E nós estávamos perto da janela - aberta. Obviamente, toda vez que uma almofada vinha em nossa direção, nós nos esquivávamos e as almofadinhas de coração iam, uma a uma, parar no meio da rua, caidas do terceiro andar do prédio. Corações caindo do céu, diretamente para uma rua de Olaria. Minha irmã e eu tentávamos avisar a minha mãe sobre o que estava acontecendo, mas a doida não parava e a rua já estava cheia de corações fofos e cor de rosa. Até que um cabra que vinha passando resolveu começar a gritar lá de baixo:
- EEEEEIIIII!!!! Meninaaaaaaaaaaaa!!!! As almofadas estão caindo aqui em baixo!!!!
Ai, meu Deus. Que vergonha. Com a cara mais sem graça do mundo, chegamos perto da janela e eu disse fingindo surpresa:
- Aaaaaahhhhh.... Tá bom. Obrigada!
Enfim, tivemos que descer e catar as almofadas espalhadas pela nossa rua morrendo de vergonha.
Lembrando desse episódio, vejo que minha mãe deve ter sofrido muito com a gente também. E hoje estamos aqui: vivas, organizadas, arrumamos nossas camas, não perdemos nossos compromissos, somos responsáveis e cumpridoras de nossos deveres. De alguma forma, a insanidade da minha mãe deu certo. A canseira dela pra nos educar funcionou. Eu e minha irmã não tínhamos o menor perfil desses "filhos maravilhosos do facebook", mas estamos aqui, somos gente normal (ou quase), gente que se importa com o mundo, com o próximo e que gosta de viver. E é nisso que vou me agarrar agora. Eu hei de vencer! O Miguel ainda vai me agradecer por tanta loucura e esforço pra torná-lo um cara maravilhoso. Não para o facebook. Pra vida.