segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O Portal do Bebês

Domingo é sempre um dia feliz quando se trabalha fora e tem filhos. Aquela preguiça das manhãs de domingo, aquela vontade de ficar até mais tarde na cama ainda mais depois que seu filho acorda e pula pra perto de você. Miguel adora dizer que veio pra minha cama pra gente ficar agarradinho e eu adoro dizer que vou cobrí-lo de beijos durante muito, muito tempo até a gente ficar sem respirar. É uma delícia. 

Ontem, domingo, eu e Miguel estávamos de chamego na minha cama. Eu disse a ele o que sempre falo muito frequentemente. Mãe é coisa repetitiva mesmo. Mãe professora então... Deve ser um inferno. 

- Filho, você sabe que se Deus colocasse um milhão de meninos na minha frente, altos, baixinhos, gordinhos e magrelos, negros, loirinhos, de olhos azuis, verdes, pretos e castanhos, sérios e risonhos, pra eu escolher quem seria o meu filho, quem eu escolheria? 

Miguel ri, já sabendo a resposta:

- Eu escolheria o menino mais engraçado, mais carinhoso, com os olhinhos puxados, com uma bochecha bem gostosa e uma bundinha deliciosa pra apertar!!! Eu escolheria você!! Sempre você!!

A gente cai na gargalhada e ri como se fosse a primeira vez que ele escutou isso. 

Só que nesse domingo Miguel resolveu me contar uma história. 

"Mãe, você sabe que lá no céu, quando eu ainda não era seu filho, tinha a terra dos bebês. Eu ficava em um lugar cheio de crianças pequenas e eu tinha muitos amigos. Aí, um dia, as pessoas que tomavam conta da gente, chamaram algumas crianças, eu e mais alguns. Levaram a gente pra um portal. Era o portal dos bebês. E aí, chamavam de um por um pra conversar e mostrar como se fosse uma tela, parecendo uma fotografia, dos pais da gente. Foi aí que eu vi você pela primeira vez. E Deus me falou que você ia ser minha mãe e que o papai ia ser o meu pai. E eu fiquei muito feliz. Eu te achei uma mãe linda... Depois ele me levou pela mão e eu dormi e fui parar na sua barriga!"

Fiquei impressionada com a história do meu filho. Quem acredita em outras vidas sabe que a vinda de um filho ou filha envolve uma escolha. Uma aceitação da parte dos pais, o merecimento de viver uma experiência que nos levará a algum desenvolvimento espiritual e também a aceitação do filho em receber aqueles pais em sua vida terrena. Por isso, achei curioso meu filho falar de um portal, de estar com outras crianças, de ser levado por alguém pra conhecer seus pais antes da concepção. Enfim, pode ser tudo fruto da imaginação do Miguel, mas pode não ser. De qualquer jeito, eu me sinto verdadeiramente muito feliz e honrada por ter sido escolhida pra ser mãe dele. Sinto-me presenteada com a presença desse menino em minha vida. 

Ao final da história, continuávamos nos abraçando e rolando na cama, cansados de tanto rir e de tantos beijos. E aí no rádio começou a tocar uma música (A Thousand Years), " I have died everyday waiting for you, darling, don´t be afraid ...  I have loved you for a thousand years, I´ll love you for a thousand more...." E nesse momento, como se entendesse a música, Miguel olhou sério pra mim, ficou em pé em cima da cama e me convidou:

- Dança comigo, mãe? 

E eu, surpresa com o convite, me ajoelhei em frente a ele, também em cima da cama, e disse:

- Claro, filho! Vamos dançar...

Dançamos até o final da música caladinhos. Abraçados. Em meus pensamentos, muita gratidão. Em meus pensamentos, enquanto sentia o cheirinho gostoso que só o filho da gente tem, só um pedido: que meu filho seja feliz. 

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O que o meu filho pode ver




Uma conversa boba, dessas pra passar o tempo, pode, às vezes, virar motivo pra séria reflexão. E essas coisas acontecem do nada, sem a gente esperar. Hoje aconteceu de novo comigo. O tema era um passeio de dois rapazes no shopping, só que caminhavam de mãos dadas. Daí já dá pra imaginar que cada um pensa de um jeito e a conversa fica normalmente acalorada com as pessoas querendo defender seu ponto de vista. Pra mim, fica uma sensação besta de perda de tempo. 

Não entendo qual o problema de duas pessoas que se amam caminharem de mãos dadas. Não entendo qual o motivo de tanto questionamento oriundo de uma cena tão simples. O que pra mim é normal, uma das formas de carinho mais bonitas e simbólicas entre duas pessoas que se gostam - as mãos dadas, pra outros é ofensa ou, simplesmente, algo que deve-se evitar observar quando tratamos de duas pessoas do mesmo sexo. E aí o problema maior, segundo alguns: o X da questão é que crianças frequentam shoppings e podem ver tal cena. Adultos já estão formados e crianças estão em formação, dizem. 

E?, penso eu. E o discurso continua:

Uma criança não está com sua opinião, opção sexual formada e ver com frequencia essa cena pode influenciar suas escolhas.

Olha, sinceramente, isso pra mim não tem a menor importância ou fundamento e fico com preguiça de argumentar. Eu que nunca me canso de falar, tenho me sentido preguiçosa porque quando falo, espero ser ouvida. E quando escuto, penso no que estão me dizendo, VERDADEIRAMENTE. Não escuto o que me dizem apenas como forma de passar o tempo e ter minha vez de falar mais de volta. Como nem todos são como eu, fico com preguiça de gastar minha saliva à toa. Mas não consigo evitar meus pensamentos. Esses meus pensamentos são loucos, eles não param. E, muitas vezes, o que eu gostaria de dizer acaba ficando engasgado na minha garganta. Como sou geminiana e preciso falar, escrevo aqui.

Entendam, esse é só o meu modo de ver as coisas. Não sei se estou certa ou errada. Não sei mesmo. Mas o que bate forte em mim é que vivemos em um mundo muito doido, cheio de incoerências e vejo muita coisa torta em mim e nos outros. Só que existe uma coisa que move minha existência e isso se chama AMOR. O amor é mais forte que tudo e quando o temos, tudo o mais deixa de ser tão importante. Atitudes geradas por amor e pelo amor só rendem coisas boas. E aí é que não vejo como duas pessoas que caminham de mãos dadas em um shopping podem ser influência negativa pra uma criança. Não vejo como mesmo.

O que meu filho pode ver, então? O que seria bacana pra sua formação? Há tantas coisas tão corriqueiras acontecendo a todo instante que eu não gostaria que meu filho presenciasse... Eu sei exatamente o que meu filho não pode ver. Ou não deveria. 

 Eu não gosto quando meu filho vê alguém no carro da frente abrindo a janela e jogando uma lata de refrigerante. Não acho legal meu filho ver a senhora da frente receber um panfleto na rua e jogar o mesmo no chão. Não acho interessante a gente ligar a TV e meu filho ver ladrão derrubando cadeirante pra levar sua bolsa. Não queria que meu filho visse que existe gente que trata outros como se fossem invisíveis, como se não tivessem importância, dependendo da classe social. Não acho bom meu filho ir a um restaurante e observar que a família da mesa ao lado não fala entre si porque mãe, pai e filho estão com as caras grudadas em seus celulares. Não acho bacana meu filho testemunhar um pai batendo em seu filho ou filha. Acho péssimo quando estamos em uma festinha e meu filho presencia dois garotos aos socos, rolando no chão. Ou quando estamos em uma fila que alguém não respeita. Acharia péssimo que meu filho assistisse em casa seu pai e eu brigando, usando palavrões ou trocando ofensas. Acharia horrível que meu filho crescesse sem afeto, carinho, diálogo, limites. Enfim, a falta de amor, momentânea, circunstancial ou por opção, só influencia negativamente o crescimento da minha ou qualquer criança. Daí que não vejo como duas pessoas caminhando de mãos dadas poderiam influenciar negativamente meu filho. Mesmo pensando criteriosamente nas frases que escutei, mesmo refletindo bastante, não vejo como. Não consigo porque acredito no amor e amor nunca será uma influência ruim pra ninguém. 

O medo das pessoas com esse discurso é exatamente qual? Sim, eu sei. Que seus filhos tornem-se gays. Eles tem medo que uma criança como o Miguel, com seis anos de idade, ao se deparar com um casal formado por duas pessoas do mesmo sexo tenha sua decisão a respeito de sua vida sexual influenciada. Ser ou não gay? É o ponto crucial pra elas. Sinceridade? Não me preocupo com isso. Eu gostaria apenas que se o Miguel se apaixonasse por um rapaz que ele pudesse andar de mãos dadas com ele por aí. Que ele não sofresse preconceitos. Que ele pudesse amar e ser amado como eu e o Namorado, como você e seu parceiro(a) podem... Gostaria que as pessoas se preocupassem com a falta de amor e não com a presença dele, onde quer que fosse. Eu gostaria que meu filho pudesse ver mais amor pelo mundo. Por onde quer que ande. Por onde quer que escolha estar. Então, se eu tivesse o poder de  escolher o que o meu filho pode ver, eu escolheria que ele só visse amor por aí. Hoje e sempre.



segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Quem é Bianca???

Nessa última viagem que fizemos, agendamos com antecedência um atendimento na loja da Apple pra usar o Apple Care do telefone da minha afilhada. No dia e horário marcados estávamos lá para sermos atendidos. Prontamente, fomos encaminhados até a mesa onde um outro atendendente falaria conosco e ficamos esperando ali. 

Na nossa frente, havia um casal com um carrinho de bebê. O filho deles devia ter uns 2 anos. O clima não estava bom, dava pra sentir no ar, eles pouco conversavam. Só que a esposa insistiu em fazer algumas perguntas pro marido e numa dessas respostas o cara soltou o nome "Bianca". Logo pudemos entender que não se tratava do nome da esposa já que imediatamente o tom de voz da moça subiu pra questionar repetidamente: "Quem é Bianca????" O cara disse que não tinha falado esse nome - mas tinha, sim! - e a esposa continuava a questionar enquanto o marido nem olhava pra cara dela, ainda mexendo no celular. Aí, a esposa rapidamente tirou o celular da mão do cara e começou a fuxicar. Aí, minha gente, lascou-se. Foi uma coisa feia de se ver. E eu e Hugo não sabíamos mais onde nos enfiar pra dar um pouco de privacidade para os dois, mas a gente não podia sair dali porque era o lugar onde tínhamos que esperar o atendente. Enfim, a mulher achou emails trocados com a tal de Bianca, achou mensagens, conversas no whatsaap, encontros marcados. 

Ela se descabelava, exigia explicações, estava vermelha, nervosa, decepcionada. O filhinho sentindo a vibração pesada que se apossou da família dele, começou a chorar (as crianças sentem essas coisas rapidinho!)... E o marido? Cara, o marido não mexia um músculo se quer da face. No jeito que estava, continuou. Olhando para um ponto fixo em algum lugar que eu não sei qual era, não dava a menor atenção à mulher descompensada. Não falava um "acalme-se, por favor", não falava um "vamos conversar quando chegarmos ao hotel", enfim, nada. Impassível. Não parecia estar preocupado, não parecia sentir pena da situação em que havia se colocado. O filho puxava a barra de sua camiseta e ele não dava a menor bola. A esposa, naquele momento não conseguia ouvir os apelos da criança, muito concentrada em sua própria indignação e incredulidade. 

Aí ela fez o que foi o pior. Pior pra ela mesma. De  cabeça quente, largou o celular do cara na mesa depois de ter dito que havia enviado tudo pro celular dela, pegou sua bolsa, disse que não queria mais saber dele e disse que ia embora. Pegou o filho no colo e foi. 

Pensei cá com meus botões, como ela vai embora? Esse cara deve estar com a chave do carro. E mesmo que não esteja com a chave do carro, ela vai pra onde? Vai ter que ir para o mesmo lugar onde estão dormindo o marido e o filho, eles pareciam estar em uma viagem de férias. Esse rompante dela não vai dar certo, pensei.

E não deu. Quando nosso atendimento estava terminando, ela entra na loja. Caminha em nossa direção. Cabeça baixa, costas curvadas. Deixou o filho no carrinho deitadinho e quase adormecendo, sentou-se ao lado do marido e nada falou. Ele, por sua vez, não tomou conhecimento de sua presença a seu lado, nem olhou pra cara dela como se já soubesse que a volta dela fosse acontecer. E eu fiquei muito angustiada. 

Fiquei triste por ver o desprezo que aquele homem sentia por sua esposa. Ele não se abalou com a dor estampada na cara dela. Ele não se comoveu com os pedidos do filho para que o acarinhasse. Ele não tentou ir atrás dela, fazê-la ficar para que, pelo menos, conversassem depois. A postura dele dizia que se ela quisesse ir, que fosse. Ele não se importava. E fiquei mais triste ainda quando a esposa voltou depois de ter dito que estava tudo acabado e que ia embora. Naquele momento eu senti muita pena. Porque é muito ruim tomar atitudes em um rompante e depois se arrepender e, pior que se arrepender, se arrepender e ter que engolir o orgulho que ainda resta. Ela se humilhou ainda mais. Ela voltou pra "pedir penico" pro cara, porque não se sentiu preparada pra dizer adeus àquele homem, não teve coragem pra se mandar seja lá pra onde fosse. 

Será que o amava demais, mais que a ela mesma? Será que ficou pensando no conforto do filho? Será que ainda tinha esperança de que ele fosse lhe contar alguma história ridícula ou qualquer coisa na qual ela fosse acreditar? Voltou pra implorar que ele olhasse pra ela? Que lhe dirigisse alguma palavra? 

Olha, me senti mal por ela. Por aquela família. E me perguntava como aquele homem, companheiro daquela mulher, poderia não se importar com o desespero dela. Eu sei que pode ser que a vida deles fosse um inferno e que a tal da "Bianca" tenha entrado na vida dele porque o relacionamento não estava legal e tal, mas foi feio não tentar amenizar a dor da esposa. Acho que era hora de jogar pro alto o atendimento da loja e sair com ela dali imediatamente para tentar conversar e contar tudo o que estava acontecendo de verdade. Não estou condenando o cara, não. A gente não sabe tudo dessa história louca, sabemos apenas o que eu presenciei, mas eu queria muito que ele tivesse agido diferente, que fosse mais cuidadoso com aquela mulher, que não a tratasse como fez, como algo descartável, feito lixo. Ele devia uma explicação a ela, afinal a existência da Bianca foi indiscutível. E, além de tudo, ela é mãe do filho dele. A ligação entre eles será pra toda vida. 

Saí daquela loja com o coração apertado, pedindo a Deus que se um dia uma "Bianca" dessas entrar na vida do Namorado, que ele converse comigo, que me conte antes de trocar meu nome. Que a conversa aconteça antes de ele me olhar com desprezo, que ele se importe comigo como se deve se importar com alguém com quem dividiu a vida por tantos anos e que, além disso, é a mãe do filho dele, nosso maior presente. Que ele tenha por mim consideração. Ninguém está livre de se apaixonar por Biancas, Marias e Renatas, mas que haja dignidade, é o que peço. Pra mim e pra todas as mulheres.