segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Fome

Tínhamos passado uma manhã muito feliz, andando pela Quinta da Boa Vista em um dia lindo, tirando fotos e rindo. Foi um daqueles dias pra se guardar pra sempre na lembrança. Depois, resolvemos comer e enquanto esperávamos nossa mesa, sentamos em um banco do lado de fora do restaurante. E foi então que no meio da nossa conversa animada sobre nossa vida quase perfeita, demos de cara com a realidade. 

Um menino de mais ou menos uns 11 anos passou por nós segurando um saco de lixo nas costas. Ele estava descalço, com roupas imundas, pele suja. Não olhava pra ninguém e ninguém o olhava. Parecia invisível. Pior, parecia agir como se acreditasse que fosse mesmo invisível. Como se estivesse acostumado com o descaso alheio. As pessoas não querem ver além de sua vida "quase" perfeita. Ninguém quer dar de cara, ainda mais em um dia de domingo, com o retrato do abandono, da pobreza, da miséria e da fome em forma de menino. É melhor fingir que nada disso existe e que nosso domingo vai continuar tão lindo como o sol que brilha no magnífico céu azul. 

O menino chegou perto da lixeira. Ele enfiava a mão e retirava da lixeira o que sua mão pequena podia alcançar. Uma lata de refrigerante, ainda com o canudo dentro. Ele levava o canudo à boca e sorvia o resto do refrigerante, quente. Fez isso várias vezes, com copos de bebida de um fast food, com as outras latas. Pegou caixinhas de sanduíches, abria, comia o resto que havia nelas. Resto em copo de sorvete, cheirava e, achando que estava bom, comia. Eu não conseguia tirar meus olhos dele. Não conseguia parar de olhar. Eu e Hugo nos olhamos. Uma, duas, várias vezes. Incrédulos e em silêncio. Um silêncio pesado. E eu chorava copiosamente. Na fila do restaurante, pronta pra comer o que quisesse ou tivesse vontade, me senti tão pequena. 

Miguel que estava por perto, perguntou:

- Mãe, porque ele está mexendo no lixo? Ele está comendo comida do lixo?

Respondi que sim e, entre lágrimas, expliquei pro meu filho que existem pessoas que não tem o que comer, pessoas que comem o que os outros deixaram, os restos. E expliquei que existiam pessoas que sentiam fome e que nós devíamos ser muito gratos por termos sempre a mesa farta e por podermos, inclusive, escolher o que comer quando há gente no mundo que não tem nada.

- Onde está a mãe dele?, Miguel, mais uma vez, perguntou.

Como explicar isso pra uma criança de 5 anos que não sabe o que é passar necessidade? Como explicar que um menino de 11 anos está sozinho na rua, descalço, sujo, sem mãe, procurando o que comer pra um serzinho que tem tudo? Eu não tive palavras pra explicar. Disse ao Miguel que não sabia onde a mãe do menino estava e chorei mais um pouco porque isso é triste demais. Um irmão, como eu e você, cheio de fome, uma fome tão grande que faz com que ele não se incomode em comer os restos que recolhe - talvez ele ainda se sinta grato por eles. Um menino já acostumado a não se importar, em não ter mais pudor ou vergonha. 

Nós tínhamos um pacote de biscoito na bolsa. Hugo perguntou ao Miguel o que ele achava de darmos seu pacote de biscoito ao menino. Miguel disse que era uma boa ideia e Hugo foi até lá e esticou o braço com o pacote de biscoito na mão na direção do menino e falou: "Pra você." O menino, então, reuniu as coisas que catou, colocou em seu saco de lixo e o jogou nas costas. Pegou o pacote de biscoito maisena e foi embora. Sem nos dedicar um só olhar, desapareceu tão rápido quanto apareceu. 

Eu olhava ao redor e observava as outras pessoas que estavam por perto. Ninguém mais notou o menino. Ninguém mais parou sua animada conversa, ninguém olhou pra cena por mais de 1 segundo. E eu concluí que estamos nos endurecendo demais. Estamos achando o sofrimento alheio normal. Nos cercamos de proteção, nos blindamos. Só que não há como escapar da dor de um irmão porque ela é a nossa dor.

Fome, solidão, desamparo. Por um bom tempo, não conseguia parar de chorar. Pelo menino, por mim, por nós. 




segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eu e minha irmã



A lembrança mais remota que tenho da minha irmã foi de quando minha mãe voltou pra casa com ela nos braços. Eu era apenas uma menina de 1 ano e 8 meses e, acreditem, lembro do aperto no coração que senti ao ver minha mãe segurando outra criança que não eu. Hoje, vejo que aquele bebê que me deixou enciumada foi o melhor presente que meus pais poderiam ter me dado. 

Minha Sis é diferente de mim em muita coisa e, ao mesmo tempo, somos tão parecidas. Ela é minha melhor amiga. Minha parceira. É irritante, é chata, é loucamente vaidosa, é briguenta e esquentada. Ela não pára quieta e não desliga, não consegue deitar na cama e relaxar. Está sempre procurando alguma coisa pra fazer e tem uma mente que trabalha sem parar. Enxerga o que ninguém ainda enxergou, vê sempre o outro lado de qualquer situação e tem malícia pra prever que algo pode dar errado. Eu sou mais de deixar a vida me levar, deixar as coisas acontecerem. Sempre fui mais quieta, mais na minha. E apanhei muito da minha irmã. Sim, eu apanhava da irmã mais nova e nunca batia nela de volta. 

Não que eu fosse boazinha não. Eu fazia terror psicológico, dizia que falaria pra minha mãe a respeito das notas vermelhas que ela tirava, ameaçava. E ela se descontrolava, partia pra briga e ficava de castigo. Eu passava por santinha. Como ela mesmo diz: "santinha do pau oco". Ela era mais compreensiva e carinhosa. Eu arrancava o que queria dos meus pais de tanto falar a mesma coisa e não era muito chegada a carinho. Ela era a frágil e chorava a toa. Eu era a mais forte, mais durona. Hoje somos duas manteigas derretidas, mas eu continuo sendo chata quando quero alguma coisa e ela mais compreensiva com o que a vida não pode lhe dar. 

Minha irmã é minha companheira, minha melhor amiga. Conto com ela pra tudo. Sei que ela vai sempre me dizer a verdade, vai me fazer escutar o que não quero ouvir. Sou madrinha e, muitas vezes, mãe das filhas dela e ela é madrinha e, muitas vezes, mãe do meu filho. Como imaginar minha vida sem ela por perto? Nem sei. A gente se fala mil vezes ao dia, ela é sempre a primeira a saber das minhas mazelas, das minhas neuras. E eu sou sempre o ouvido que escuta as mesmas coisas, sim, porque ela é muito repetitiva. E, devo confessar, acho que é de família, porque eu também sou repetitiva. Coitados dos nossos maridos. 

Tivemos uma infância maravilhosa e lembrar da infância é lembrar da minha irmã sempre correndo de um lado pro outro, arranjando encrenca com todo mundo, querendo jogar ping-pong com os meninos. Minha infância tem gosto de chocolate comido a dois. Minha infância tem cheiro de feijão fresquinho. Minha infância tem eu e minha irmã sempre almoçando juntas. Muito ataque de riso. Uma consolando a outra. Uma brigando com a outra. Minha infãncia e adolescência estão na memória de nós duas dividindo o mesmo quarto até adultas e de nossas conversas até tarde, até dormir. Quando eu tinha pesadelo, nos espremíamos numa cama de solteiro e dormíamos juntas. Quando fazíamos dieta e eu dizia que estava com fome, ela sempre me dizia: "bebe água que passa" e eu dormia com o estômago roncando pra não cair em tentação e estragar nosso pacto de perder 3 quilos em uma semana. 

Então, hoje, quando me deparei com esse video, me emocionei muito porque minha vida é mais colorida porque minha irma está nela. Minha vida é mais gostosa porque tenho uma irmã pra abraçar e chorar quando as coisas apertam. Minha vida é mais bacana porque minha irmã existe, nem que seja pra brigar comigo. Quero agradecer a Deus por ter me dado de presente a melhor irmã que eu poderia ter. Perfeita pra mim. E quero pedir a Deus que dê muita saúde a ela pra que possamos estar juntas por muitos e muitos anos. 

Sis, eu te amo!



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Preciso de você



Há umas duas semanas, ligaram da escola porque Miguel estava se queixando de dor na barriga. Eram 4 da tarde e saí do trabalho mais cedo do que pretendia pra ir buscá-lo. Miguel não é dessas crianças que se queixam  de tudo e nem de fazer manha com qualquer dorzinha. Se ligaram pra mim, era porque meu filho estava sentindo dor mesmo. Levei Miguel pra casa e ele estava com diarréia, um pouco caidinho. Na manhã seguinte, estava com febre. E eu tinha que ir pro trabalho. Dei remédio ao Miguel, deixei meu filho com a avó, quietinho na cama, vendo televisão, e o abracei e me despedi dizendo que na hora do almoço eu estaria de volta pra ficar de vez com ele. Naquele momento, Miguel olhou bem nos meus olhos e disse:

- Mas, mãe... Eu preciso de você. 

Putz. Meu coração bateu acelerado e minha vontade foi largar tudo, trocar de roupa e me enfiar na cama com meu filho. Miguel é uma criança acostumada com pais que trabalham fora. Talvez, por isso, seja um menino que, apesar de mimado (sim, eu o mimo!!) não é chorão e entende quando digo não a ele. Talvez, por isso, ele saiba respeitar meu quarto e meus momentos de estar só. Ele sabe ficar em seu quarto sozinho brincando e assistindo seus filmes ou colorindo seus desenhos. Como o crio pra resolver suas coisas e saber se virar sem mim, foi forte ter escutado um "preciso de você" tão sentido. 

Eu admiro muito as mulheres que fizeram a opção de largar carreira, um bom emprego, pra cuidar de filhos e casa sem colocar sobre eles o peso dessa escolha. Essa nunca seria a fórmula de felicidade pra mim, mas as admiro porque acho o trabalho de uma casa muito árduo, uma coisa sem fim. Acredito que eu sempre me questionaria a respeito do que eu poderia fazer se estivesse no mercado de trabalho, como estaria minha vida profissional, que pessoas estaria conhecendo, quais os desafios estaria enfrentando, caso tivesse optado por ser dona de casa e dedicar-me exclusivamente aos filhos e marido. Por isso, admiro quem consegue ser feliz vivendo assim. Só que naquela hora em que meu filho disse que precisava de mim e eu tive que colocar minha bolsa no ombro e ir trabalhar com o coração partido, admirei a mim mesma. E admirei todas as mulheres, que, como eu, precisam trabalhar e se desdobrar em mil pra serem excelentes mães. No momento que seu filho lhe diz que precisa de você, por mais que você ame o seu trabalho como é o meu caso, o que faz você bater a porta e sair de casa é única e exclusivamente seu senso de responsabilidade. 

Não é fácil. Muitas vezes, me pego barganhando comigo mesma, pensando que vou deixar pra faltar o trabalho quando ou se acontecer alguma coisa mais séria. Ao mesmo tempo rezando pra que nada de ruim aconteça. Analiso se o pedido do meu filho não é apenas um capricho de uma criança doentinha ou uma necessidade grande de me ter por perto um pouco mais. As mães entendem bem o que é essa dor: a de ter que ir querendo ficar. A dor de ter que cumprir com seu compromisso, tendo que deixar o filho doente em casa. 

Nós que trabalhamos fora e temos tanto a fazer em nossos empregos, nós que saímos de casa, muitas vezes com o coração apertado de vontade de ficar, indo à luta não só pelo dinheiro mas por nossa satisfação pessoal. Nós que tantas vezes somos vistas como egoístas, mães que "perdem tantos momentos importantes da vida dos filhos". Nós que levamos a fama injusta de deixarmos filhos "soltos no mundo". Nós que vivemos carregadas de culpa por termos escolhido ter uma carreira. Nós somos dignas de admiração também, porque só nós sabemos das nossas dores. Nós somos mães iguais as que não têm empregos fora de casa, porque por mais que digam e que falem besteiras, eu sou mãe em tempo integral sim! Apesar de fisicamente não estar sempre com meu filho - e qual a mãe que está? - meu coração está sempre onde meu filho está. E não há um só minuto nessa vida em que eu não considere o Miguel a pessoa mais importante do universo pra mim. A nós, mães que se desdobram em um milhão dentro e fora de casa, minha sincera reverência e respeito. Nós também somos dignas de admiração. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Eu e ele

Nunca fui uma menina que gostasse muito de bonecas ou princesas. Aposto que se minha mãe tivesse tido dinheiro pra me mandar pra Disney criança (a primeira vez que fui já tinha 15 anos), eu não daria a mínima bola pra ficar fantasiada de princesa. Sei disso do mesmo jeito que sei que se fosse minha irmã, ela ficaria andando de salto e vestido real todos os dias por todos os parques. Ela adorava brincar de boneca enquanto eu gostava mesmo é de brincar de escritório ou de escola, onde eu, invariavelmente, tinha que ser a professora ou a chefe. Sempre fui mandona. 



De tantos filmes legais que me acostumei a ver com o Miguel desde bebê, Toy Story é campeão. Amo os 3 filmes e rio e me emociono. Só tem um filme que vence de Toy Story, não pelo filme em si apesar de eu achá-lo muito divertido e bem feito, mas pelo que sempre acontece quando Miguel está assistindo. Esse filme é Enrolados. 

Desde a primeira vez que assisti esse filme, no cinema, choro na mesma parte. A parte em que Flynn Rider (José Bezerra) e Rapunzel cantam dentro do barquinho enquanto as luzes (lanternas) sobem ao céu. Então, como Miguel já sabe que amo essa parte do filme, toda vez em que essa parte vai começar, ele grita:

- Mãããããeeeeeeeee, vem ver a parte que você gosta comigo!!!!

De onde quer que eu esteja, paro o que estiver fazendo e lá vou eu pro quarto dele. Sento em sua cama e, sempre, ele chega pra pertinho de mim e ficamos juntinhos assistindo a cena. E cantando. Miguel canta comigo e já sabe que vou chorar. 

O que Miguel não sabe é que eu não choro só porque acho a música linda e porque é de amor. Choro, também e principalmente, porque esse é um momento nosso, um momento em que meu filho é só meu, agarradinho. Um momento em que ele olha pro meu rosto já sabendo que estarei chorando e vejo que ele se sente feliz por estar dividindo comigo esse momento. E eu sou mais feliz ainda por estar vivendo um momento especial com a pessoa que mais amo no mundo. Sei que ele pode não ter consciência do que representam pra mim estes instantes, mas eu sei exatamente o seu valor. E da sensação desses curtos 3 minutos que são o tempo de duração da cena, eu vou lembrar pra vida toda. 

"Bem aqui vejo o meu lugar
Sim, aqui consigo sentir
Estou onde devo estar."

terça-feira, 2 de setembro de 2014

O Amor do meu Pai



O amor dos pais por seus filhos muitas vezes só é compreendido quando esse filho vira pai. Ter um filho faz a gente entender tanta coisa, faz a gente amar ainda mais nossos pais porque sentimos na pele toda apreensão, dor e preocupação que nossos pais sentiram e sentem por nós. Sorte daquele que tem seu pai e mãe por perto pra poder agradecer tudo o que recebeu, tudo o que foi ensinado. Eu tenho minha mãe ainda e posso agradecer todos os dias a ela pela mãe maravilhosa que é. Dona Iris é minha referência, é meu exemplo de mãe, é uma bússola. E ela sempre esteve ali, próxima de mim. Nunca agradecerei o suficiente por tanto amor e dedicação. Com meu pai a história é diferente... Ele não era o amor certo, eu não sabia muito bem o que esperar. E não agradeci tudo o que queria em vida, porque quando Miguel nasceu e eu comecei a entender tantas coisas, meu pai já havia desencarnado há 10 anos. 

Toda a compreensão que tenho hoje da vida, embora ainda saiba tão pouco, me faz querer agradecer ainda mais por tudo o que ele fez por mim. "Seu" Mariano tinha milhões de defeitos, era um cara de poucas palavras, mas hoje entendo tudo. Lógico, muitas vezes sofri por conta do jeito seco dele. Mas entendo o porquê desse jeito e sou grata porque em todas as vezes que ele me viu sofrer ou fazendo a coisa errada, ele não se omitiu. 

Meu pai fazia entrega de peixes para os vários bons restaurantes da cidade e acordava bem cedinho pra ir buscar o pescado e poder fazer as entregas a tempo de os pratos serem preparados para o almoço. Então, no máximo 1 hora da tarde meu pai já estava em casa. Chegava com aquele cheiro de peixe entranhado nas roupas, na pele. A Kombi dele também era o puro cheiro de peixe. Eu não gostava nem de chegar perto. E tinha vergonha. Eu achava bonito os pais que trabalhavam engravatados, achava elegante e gostava do cheiro de perfume deles, tão diferente do cheiro de peixe do meu pai. Mas meu pai me amava tanto, que fingia não notar esse meu desconforto. Ele me amava tanto que, todas as vezes que ele via minha irmã  e eu voltando da escola a pé (era uma boa caminhada) ele SEMPRE parava a kombi ao nosso lado e nos oferecia uma carona. Meu pai me amava tanto que mesmo sabendo que eu diria "não, obrigada, perfiro ir andando", ele sempre me dava a chance de tornar-me melhor. Ele acreditava nisso, que um dia eu não teria mais vergonha e entraria feliz em sua kombi fedorenta. 

Eu devia ter uns 8 anos quando cheguei em casa toda animadinha e fui contar pro meu pai o motivo da minha animação. Era hora do almoço e meu pai estava em casa a essa hora porque, como eu disse, ele não trabalhava até tarde. Contei pra ele que na saída da escola fui comprar bala e que, enquanto o baleiro se virou pra pegar a bala que eu pedi, eu "apanhei" um chiclete. E não paguei por ele. "Seu" Mariano ficou muito bravo e eu nem entendia o porquê de tanta braveza. E ele me disse entre muitas coisas que o que eu havia feito tinha nome: roubo. E que isso era desonestidade e inaceitável. Meu pai me amava tanto que me fez voltar a escola na mesma hora pra devolver o chiclete ou pagar por ele. E eu morri de vergonha e não entendi o quanto de amor tinha naquela bronca. Mas entendi que pegar algo sem pagar, seja lá o que fosse, era errado. 

Já mais velha, meu pai me via sofrendo por um namorado. Eu não saía mais, queria ficar sozinha e ele me via esperando ansiosa o telefone tocar. Só que ele nunca tocava. Passamos uma semana inteira sozinhos em casa porque minha mãe e irmã tinham viajado pra Saquarema e eu não quis ir por causa do garoto. Bom, meu pai venceu seu jeitão calado e entrou no meu quarto e falou: "Filha, o medo de perder, tira a vontade de ganhar. Pensa nisso." Meu pai me amava tanto que a dor de me ver sofrer fez com que ele quebrasse seu silêncio, fez com que viesse falar comigo e me mostrasse com poucas palavras que muitas vezes a gente se concentra tanto em não perder o que se tem, que esquece que deixando o que se tem ir, pode-se ganhar o mundo. Meu pai me amava tanto que me libertou sem saber. 

Não sei se é porque esse ano faz 15 anos que estou sem ele perto de mim que fiquei lembrando dessas coisas. Não sei se é porque estou simplesmente com saudade dele mesmo. Ou se é porque estou aprendendo demais com o amor que sinto por meu filho. Só sei que quero agradecer a "Seu" Mariano por todas as vezes que demonstrou seu amor por mim. E pedir desculpas por, muitas vezes, aliás, na maioria das vezes, eu não ter entendido suas atitudes como demonstração de amor, apenas como chatice. Quero que ele receba, onde quer que esteja, essas palavras:

- Pai, hoje eu lhe entendo. Obrigada por me amar tanto. Eu também lhe amo. 

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Nunca Desista

Há 11 anos entrava aqui no CCAA um aluno muito sapeca. Estava sempre rindo e era aquele tipo de menino com quem ninguém conseguia brigar. Mauricio tinha 6 anos e estava iniciando seus estudos de inglês. Com o passar do tempo, entrando na adolescência, Maurício, mantendo seu jeito sorridente, começou a deixar pra lá seus estudos, pelo menos aqui no curso. 

Eu conversava sempre com sua mãe a respeito de seus exercícios atrasados, a falta de vontade de participar em sala de aula e a falta de envolvimento nas atividades propostas. Mauricio começava a se arrastar pra sala, entrava atrasado e parecia uma grande tortura pra ele vir pro curso de inglês. Logo, suas notas cairam, ele começou a precisar fazer recuperação pra conseguir a média. Aos 12 anos, Mauricio ficou reprovado. Após conversar com sua mãe a respeito da reprovação,  ela decidiu que o filho não retornaria pro inglês. Não naquele momento. Fiquei um pouco triste, mas acreditei que aquela mãe sabia o que estava fazendo. Afinal, ela não estava tirando o filho do curso por dinheiro e nem por não acreditar nele, apenas pensava que Mauricio precisava se empenhar em outras atividades escolares e que, principalmente, precisava amadurecer. 

Quatro anos se passaram e, um dia, Mauricio procurou o CCAA. Alto, bonito, com a mesma cara do menino de 6 anos que foi, só que totalmente diferente. Fez um teste de nivelamento e seu comportamento estava incrivelmente amadurecido. Mauricio havia ficado reprovado no livro 4 em 2002 e estava retornando no livro 6. Confesso que fiquei esperando o relatório de acompanhamento dos professores a respeito de seu comportamento em sala e da pontualidade na entrega dos exercícios e todos os professores me reportavam que Mauricio havia se tornado um aluno participativo, envolvido, com vontade de aprender. Além de inglês, Mauricio também estava aprendendo espanhol, e, apesar das dificuldades dos anos que antecedem o ano de vestibular, não queria parar seus estudos de idiomas. Suas notas continuavam excelentes.

Um dia desses, Mauricio encostou no balcão da secretaria e ficamos conversando. Perguntei se ele se lembrava de como havia sido um aluno difícil quando mais novo, perguntei se se lembrava de quantas e quantas vezes havíamos ligado pra mãe dele pra cobrar assiduidade e entrega dos exercícios que estavam sempre em atraso. Rindo, Mauricio disse que se lembrava, sim. Ainda falei que estava muito admirada por ver o quanto estava mais maduro e focado em aprender, responsável. Comentei que sua mãe teve muito trabalho com ele, mas que estava de parabéns porque ele era a prova de que há uma hora na vida das pessoas em que a ficha cai, a compreensão do que se quer pra si chega e a mudança de comportamento acaba sendo uma consequencia dessa visão do que se tem como objetivo, do quanto precisamos nos empenhar hoje pra viver bem amanhã. Enfim, atitude e consequencia. Escolha de caminhos e maturidade pra fazer essa escolha. 

Por pura intuição, perguntei a Mauricio se ele tinha irmãos e descobri que Mauricio é filho único. Imediatamente pensei no meu Miguel. Então falei pro Mauricio:

- Você é o exemplo que dou pra outras mães que se desesperam, que não vêem saída pro comportamento transgressor dos filhos, pra falta de interesse pelos estudos. Porque você é a prova que todos têm seu tempo. Você é de quem vou me lembrar se meu filho começar a me dar trabalho pra estudar... Mas, me conta, o que a sua mãe fez? Como ela lidava com você naquela época pra você chegar onde está? Como ela passou por aqueles anos mais complicados?

Aí, Mauricio, com a maior simplicidade, me deu a resposta mais significativa que poderia me dar. A prova de que todos tem seu tempo desde que haja gente ao redor que continue acreditando em seu potencial. Ele me disse:

- O que minha mãe fez? Paula, minha mãe nunca desistiu de mim. 

Fiquei olhando pra ele, verdadeiramente emocionada. E senti-me sortuda por ter acompanhado, mesmo que de longe, essa história. E de ver que sempre há uma luz. E que uma mãe nunca deve desistir de seu filho. Nunca. Eu vou me lembrar disso pra sempre. E, com toda certeza do mundo, eu também não desistirei do Miguel.