segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Isso não tem graça

Miguel adora filmes e programas bobos, desses que homens dão gargalhadas e mulheres acham um besteirol que só. O Namorado adora apresentar pra ele os filmes que ele chama de "clássicos" dos anos 80, tipo "Curtindo a vida adoidado", "Os Goonies", "Apertem os cintos... O Piloto sumiu!", fora "De Volta pro Futuro", "Indiana Jones"... Enfim, Miguel gosta muito de filmes e ri muito quando os assiste com o pai. 

Ontem ao chegarmos na casa da vó Berê, ele pediu pra assistir o filme do Hassun, "O candidato Honesto" e estava rindo bastante. Lá no final do filme, há uma cena em que o candidato está dirigindo um ônibus pra tentar chegar ao debate final antes das eleições presidenciais quando uma senhorinha faz sinal pra entrar no ônibus e ele pára para que a nova passageira embarque. Só que então inicia-se uma perseguição e o ônibus ganha alta velocidade e começa a fazer manobras arriscadas. Nessa hora, a senhorinha que estava sentada na parte de trás do ônibus cai no chão e a cada manobra a velhinha vai de um lado pro outro, batendo nas laterais do veículo, virando cambalhotas, enquanto as frutas que carregava se espalham pelo chão. Todos estávamos rindo da situação e olhei pra cara do Miguel pra rirmos juntos. 

Ao olhar pra cara do meu filho, notei que ele estava muito sério, triste até. Miguel me disse que não queria ver essa parte do filme e escondeu o rosto atrás de mim, voltando a prestar atenção ao filme apenas quando a velhinha parou de ser jogada de um lado pro outro no chão do ônibus em movimento. Entendi que ele não gostou do que estava acontecendo com a senhora. Ele estava sentindo-se incomodado com aquela situação. Mas não quis me falar, não quis me dizer que estava chateado com a situação da senhora e que, por isso, ficou com a carinha amuada. 

Miguel é um garoto muito protetor. Quando estou no shopping com o Namorado, ele e minha mãe, por exemplo, ele sempre se preocupa se minha mãe não está acompanhando nosso ritmo. Muito frequentemente, pede que eu pare pra esperar a avó e não raro volta pra dar a mão à minha mãe e, assim, andar junto a ela. Outro dia, quando chegamos ao consultório do pediatra e estávamos esperando o elevador, ele virou-se pra mim e disse:

- Mãe, não fica pertinho da porta do elevador porque alguém pode abrir e bater com a porta em você!

Quando estamos andando na calçada de mãos dadas e eu estou mais próxima do meio -fio, meu filho me fala:

- Mãe, você está muito perto da rua, pode ser perigoso!

Voltando de uma festa há uns meses, estávamos somente eu e ele no carro quando uma chuva muito forte caiu. Eu fiquei tensa e parei de conversar com ele, como é nosso costume, pra concentrar toda a minha atenção no caminho que estava fazendo. Aí, senti a mãozinha dele no meu ombro e ouvi sua voz:

- Mãe, não fica nervosa. Pode se acalmar, porque vai dar tudo certo. Vamos chegar em casa direitinho. Nossos guias espirituais estão com a gente. Mas se acontecer alguma coisa no caminho, pode ficar tranquila que logo vamos encontrar alguém pra ajudar a gente, tá bom?

Enfim, tudo o que falo pra ele, desde pequenino, ele repete pra mim, sempre me protegendo ou protegendo quem estiver ao lado. 

Hoje na hora do almoço, ele voltou a tocar no assunto do filme. Ele tomou a iniciativa de falar:

- Mãe, você sabe porque ontem eu fiquei chateado na casa da vó Berê, não sabe?

E eu respondi:

- Sim, filho. Foi por causa da velhinha do filme, não é?

Miguel prosseguiu:

- Sim, mãe. Aquilo não tem graça. É triste. 

De alguma forma, ele conectou-se com aquela senhora de corpo frágil que não conseguia se segurar nas grades do ônibus. Talvez porque tenha a avó muito perto com dificuldades pra andar, talvez porque saiba que pessoas mais velhas precisam de ajuda e ninguém parecia se importar com o que estava acontecendo com aquela senhora, sendo jogada de um lado pro outro sem conseguir por-se de pé. 

Há pouco tempo uma amiga me disse que achava Miguel muito maduro e eu disse que não, que ele era muito bobo. Na verdade, não posso esquecer que ele é apenas um menino de 6 anos e, obviamente,  como um garoto normal de 6 anos, tem suas bobeiras, é muito preso ao lúdico ainda, às fantasias, ama brincar, ainda se esconde de nós e pede que o procuremos em casa, mas emocionalmente, de fato, ele me surpreende. Talvez minha amiga Ana tenha razão...  Porque, na verdade, Miguel está certo: uma senhora caída sem conseguir levantar-se em um ônibus em movimento, não tem, mesmo, a menor graça. 

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Qual o seu limite?






O mundo está muito competitivo. A todo instante queremos ser os melhores em alguma coisa, queremos ser os mais rápidos, mais espertos, mais fortes, mais bonitos. Todo mundo é medido quase o tempo todo e a régua que mede tudo isso é a régua de quem se propõe a medir. Nunca é uma medida feita por nós mesmos, sempre é o outro que serve como referência. E isso não está muito certo.

Sempre fui uma pessoa chamada de competitiva. Durante um tempo meus amigos do trabalho me chamavam de "Monica Geller" (personagem do seriado Friends que nunca aceitava perder). E eu aceito que sou, sim, competitiva, mas não no sentido de ter que ganhar de você ou de qualquer outra pessoa. Sou competitiva porque tenho que fazer o meu melhor SEMPRE. Eu não gosto de deixar tarefas inacabadas, não gosto de não me dedicar integralmente ao que faço ou falar: "ah, não está excelente, mas dá pro gasto." Minha competição é comigo mesma, minha competição é pra não deixar fios soltos, é pra chegar ao final da jornada sabendo que dei o meu melhor. Não posso dizer que não me importo se não cruzar a linha de chegada em primeiro lugar, porque me importo. Mas isso não será o fim do mundo pra mim caso eu tenha dado o meu máximo. O fato de não conseguir o primeiro lugar, serve de estímulo, impulsiona, me move. Mas se eu não chegar em primeiro porque não dei tudo o que podia dar, aí a derrota é doída. Porque terei perdido pra mim mesma.

Aqui no trabalho tento estabelecer metas viáveis e não me interesso se a unidade A, B ou C tem um número X ou Y de alunos. Eu sei da minha realidade, eu sei do potencial do meu time e da capacidade da minha escola. Eu sei do que somos capazes e cobro empenho igual de todos. Meu time não tolera alguém que trabalha menos, que se doa pela metade. É entrar alguém preguiçoso e ser expulso pelo grupo em seguida. Preciso estar cercada de gente que queira aprender e ensinar, de gente que tenha brilho nos olhos e sede de vitória. Mesmo que ela não chegue, sempre nos restará a certeza e o orgulho de termos lutado. 

Tenho tentado passar isso pro Miguel também. Tenho tentado explicar pra ele que ele precisa dar o melhor de si, que não importa se fulano ou beltrano já conseguiu isso ou aquilo. O que importa é o esforço que está colocando pra se desenvolver e cumprir suas tarefas. E, então, hoje, por ter sido a primeira vez que Miguel nadou 50 metros na aula de natação, a professora resolveu pegar uma medalha e dar a ele. Foi muito bonitinho o gesto, Miguel ficou todo feliz, quis que eu tirasse uma foto "pra mandar pro meu papai". Só que enquanto caminhávamos para o carro, ele me perguntou:

- Mas, mãe... Eu ganhei de quem na competição pra Sheila me dar essa medalha?

E eu respondi:

- Miguel, a Sheila resolveu de presentear com essa medalha pra você saber que nadou muito bem hoje. Ela quis lhe dar a medalha pra marcar o dia em que você nadou sozinho 50 metros. Você não ganhou de outra pessoa, mas você ganhou de você mesmo. 

Miguel olhou pra mim com cara de dúvida. Eu aguardei a pergunta que eu sabia que viria em seguida.

- Mãe, como assim? Eu ganhei de mim mesmo?? 

Continuei:

- Sim, filho. Você não nadava nada quando começou a fazer aulas de natação, tinha medo até de entrar na piscina. Depois perdeu o medo. Começou a pular na piscina e aprender a nadar. Conseguiu nadar 25 metros e hoje nadou 50 metros! A cada dia você melhora mais um pouco e isso está acontecendo porque você tem se dedicado, se esforçado pra aprender. Logo você estará nadando mais metros e depois começará a contar o tempo em que percorre as distâncias. E vai querer nadar cada vez mais em um tempo mais curto. E isso, filho, é ganhar de você mesmo. E no final das contas, Miguel, é essa a medalha que mais importa.

No final, o maior limite é aquele que você mesmo se impõe.


“Se você quer ser bem sucedido, precisa ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de si.”  (Ayrton Senna)