Miguel adora filmes e programas bobos, desses que homens dão gargalhadas e mulheres acham um besteirol que só. O Namorado adora apresentar pra ele os filmes que ele chama de "clássicos" dos anos 80, tipo "Curtindo a vida adoidado", "Os Goonies", "Apertem os cintos... O Piloto sumiu!", fora "De Volta pro Futuro", "Indiana Jones"... Enfim, Miguel gosta muito de filmes e ri muito quando os assiste com o pai.
Ontem ao chegarmos na casa da vó Berê, ele pediu pra assistir o filme do Hassun, "O candidato Honesto" e estava rindo bastante. Lá no final do filme, há uma cena em que o candidato está dirigindo um ônibus pra tentar chegar ao debate final antes das eleições presidenciais quando uma senhorinha faz sinal pra entrar no ônibus e ele pára para que a nova passageira embarque. Só que então inicia-se uma perseguição e o ônibus ganha alta velocidade e começa a fazer manobras arriscadas. Nessa hora, a senhorinha que estava sentada na parte de trás do ônibus cai no chão e a cada manobra a velhinha vai de um lado pro outro, batendo nas laterais do veículo, virando cambalhotas, enquanto as frutas que carregava se espalham pelo chão. Todos estávamos rindo da situação e olhei pra cara do Miguel pra rirmos juntos.
Ao olhar pra cara do meu filho, notei que ele estava muito sério, triste até. Miguel me disse que não queria ver essa parte do filme e escondeu o rosto atrás de mim, voltando a prestar atenção ao filme apenas quando a velhinha parou de ser jogada de um lado pro outro no chão do ônibus em movimento. Entendi que ele não gostou do que estava acontecendo com a senhora. Ele estava sentindo-se incomodado com aquela situação. Mas não quis me falar, não quis me dizer que estava chateado com a situação da senhora e que, por isso, ficou com a carinha amuada.
Miguel é um garoto muito protetor. Quando estou no shopping com o Namorado, ele e minha mãe, por exemplo, ele sempre se preocupa se minha mãe não está acompanhando nosso ritmo. Muito frequentemente, pede que eu pare pra esperar a avó e não raro volta pra dar a mão à minha mãe e, assim, andar junto a ela. Outro dia, quando chegamos ao consultório do pediatra e estávamos esperando o elevador, ele virou-se pra mim e disse:
- Mãe, não fica pertinho da porta do elevador porque alguém pode abrir e bater com a porta em você!
Quando estamos andando na calçada de mãos dadas e eu estou mais próxima do meio -fio, meu filho me fala:
- Mãe, você está muito perto da rua, pode ser perigoso!
Voltando de uma festa há uns meses, estávamos somente eu e ele no carro quando uma chuva muito forte caiu. Eu fiquei tensa e parei de conversar com ele, como é nosso costume, pra concentrar toda a minha atenção no caminho que estava fazendo. Aí, senti a mãozinha dele no meu ombro e ouvi sua voz:
- Mãe, não fica nervosa. Pode se acalmar, porque vai dar tudo certo. Vamos chegar em casa direitinho. Nossos guias espirituais estão com a gente. Mas se acontecer alguma coisa no caminho, pode ficar tranquila que logo vamos encontrar alguém pra ajudar a gente, tá bom?
Enfim, tudo o que falo pra ele, desde pequenino, ele repete pra mim, sempre me protegendo ou protegendo quem estiver ao lado.
Hoje na hora do almoço, ele voltou a tocar no assunto do filme. Ele tomou a iniciativa de falar:
- Mãe, você sabe porque ontem eu fiquei chateado na casa da vó Berê, não sabe?
E eu respondi:
- Sim, filho. Foi por causa da velhinha do filme, não é?
Miguel prosseguiu:
- Sim, mãe. Aquilo não tem graça. É triste.
De alguma forma, ele conectou-se com aquela senhora de corpo frágil que não conseguia se segurar nas grades do ônibus. Talvez porque tenha a avó muito perto com dificuldades pra andar, talvez porque saiba que pessoas mais velhas precisam de ajuda e ninguém parecia se importar com o que estava acontecendo com aquela senhora, sendo jogada de um lado pro outro sem conseguir por-se de pé.
Há pouco tempo uma amiga me disse que achava Miguel muito maduro e eu disse que não, que ele era muito bobo. Na verdade, não posso esquecer que ele é apenas um menino de 6 anos e, obviamente, como um garoto normal de 6 anos, tem suas bobeiras, é muito preso ao lúdico ainda, às fantasias, ama brincar, ainda se esconde de nós e pede que o procuremos em casa, mas emocionalmente, de fato, ele me surpreende. Talvez minha amiga Ana tenha razão... Porque, na verdade, Miguel está certo: uma senhora caída sem conseguir levantar-se em um ônibus em movimento, não tem, mesmo, a menor graça.
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