Eu estava esperando meu luto passar pra conseguir escrever pra você. Eu não conseguiria escrever antes de hoje, porque ainda é muito dolorido lembrar que você foi embora. Sexta e sábado eu parecia um bicho estranho com olhos inchados de tanto chorar. Domingo comecei a me recompor, porque a vida segue adiante e eu não posso ficar dando lugar pra tristeza que sua falta faz tomar conta de mim.
Na sexta-feira, seu último dia de trabalho lá em casa, eu não consegui chegar a tempo de te abraçar bem forte e me despedir. Sei que nos falamos ao telefone depois, no sábado também. Mas não parece o suficiente. Quem olha de fora pode até pensar que sou doida. Deixa pra lá. Não ligo já que muitos pensam isso mesmo. Não raro quando conto o motivo de tantas lágrimas ou da minha cara inchada dizendo que você foi embora depois de 12 anos, as pessoas falam: "Você vai arranjar outra pessoa bacana pra trabalhar na sua casa. Calma. Não se preocupe." Só que "arranjar outra pessoa pra trabalhar na minha casa" não significa nada. Achar que se trata só disso a minha tristeza, seria resumir muito equivocadamente tudo o que vivemos ao longo desses 12 deliciosos anos.
Taninha, eu queria dizer pras pessoas que tenho certeza de que vou achar outra pessoa pra trabalhar lá em casa. Aliás, como você sabe - porque até nos ajudou com isso - a Katia já está lá e, se Deus quiser, dará tudo certo. Eu queria dizer pras pessoas que as lágrimas que insistem em pular dos meus olhos não tem nada a ver com quem trabalha ou deixa de trabalhar lá em casa. Minhas lágrimas tem a ver com amor, respeito, tem a ver com gratidão, alegria por ter tido você em nossas vidas. Minhas lágrimas tem a ver com saudade.
Como resumir nossa história ao fato de ter ou não alguém trabalhando lá em casa? Eu sei. Tem gente que não se envolve, tem gente que não permite que o relacionamento empregador/empregado extrapole as barreiras que a formalidade dessa relação imprime. Muitos preferem ficar só na superfície, alguns tem medo de se envolver mesmo, outros não acham que vale a pena. Só que não é o meu caso e nem o da nossa família, não é, Taninha? A gente se envolve, a gente mergulha na vida de quem cruza nosso caminho e se apega. Como viver a vida sem se apegar? Sem amar? Como viver a vida cheia de barreiras, de muros de proteção? A gente não aprendeu a ser assim, não aprendemos a "nos resguardar", diriam alguns. A gente mergulha nas relacões e vive com a mesma intensidade a beleza de um relacionamento e o sofrimento de uma separação. Você é uma filha pra minha mãe. Você é família pra nós. Você é mãe não só do Breno e da Eduarda, como também do Miguel, Duda e Rafa. Como não chorar pela distância física que haverá, inevitavelmente, daqui por diante?
Você é uma mulher muito lutadora, que veio da Bahia e conquistou muito aqui na cidade maravilhosa. Seu marido tinha carro, você comprou sua casa própria, tinha todo o conforto possível que eletrodomésticos e móveis podem oferecer. Se ajudamos você a conquistar tudo isso foi porque você sempre mereceu. Nós vivemos uma relação de troca por 12 anos. Era via de mão dupla, como qualquer relacionamento sadio deve ser. Você gargalhou com a gente e chorou também. Histórias suas estão impregnadas nas paredes da casa onde você ficou por 12 anos. Uma casa que você conhece tanto e tão bem que se fosse por conhecimento talvez ela fosse mais sua que nossa. Histórias nossas estão trancadas em seu coração hoje. Você leva um pouquinho da gente com você, onde quer que vá.
Seu cuidado com minha mãe - a mulher mais reclamona do mundo e também a com o coração mais gigante - não se paga. Seu carinho e paciência, primeiro com as filhas da Sis e depois com também seu bebê, Miguel, não dá pra mensurar. Muitas vezes, quando eu chegava em casa à noite era chamada de "Tania" pelo Miguel. E quer saber? Eu respondia sem corrigí-lo porque sabia que o carinho com o qual meu filho me chamava de "Tania" era o mesmo se tivesse me chamado de "mamãe". Aposto que várias vezes Miguel a chamou de "mãe". Sem nenhum ciúme, lhe falo isso. Sempre fiquei muito feliz por ter alguém em casa por quem meu filho tinha verdadeiro amor. Isso é um alento pra uma mãe que sai de casa, você sabe disso. Era como se um anjo ficasse tomando conta dele.
Por tudo o que vivemos é que lhe digo que talvez ninguém entenda esse amor que nos une. De verdade, nem tento explicar porque certas pequenezas humanas não acrescentam nada a ninguém. Tem coisas que é melhor só sentir mesmo. Por isso é que, mesmo tendo conseguido lhe agradecer por tudo e pelo tanto que você fez por nós, eu acho que ainda falta eu dizer alguma coisa. E eu resolvi escrever pra poder lhe dizer isso.
Sabe, Taninha, quando a gente diz pra uma pessoa que acabou de conhecer "prazer em conhecê-lo"? Pois é, pense na profundidade dessa frase que muitas vezes dizemos automaticamente, sem pensar muito nela, apenas respeitando uma convenção social. Pra quantas pessoas dizemos essa frase sem sentirmos real prazer? Agora mesmo, se você tiver que me dizer duas ou três pessoas para as quais você poderia encher o peito e falar do prazer que foi ter essas pessoas em sua vida, por tudo o que viveram juntos. Quem seriam essas pessoas?
Acredito que poucas, se levarmos não apenas uma ou outra situação isolada em consideração. Quero que pense na beleza que é ter alguém em sua vida por anos e ver que todos esses anos de convivência foram uma dádiva, uma presente dos céus. Então, por pensar nessa nossa história de 12 anos, por pensar no momento em que a estrada por onde a vida da sua família andava cruzou com a estrada onde andava a minha família, por pensar que somos hoje uma família só, é que lhe digo com toda sinceridade que há no meu coração chorão e bobo:
- Taninha, QUE PRAZER IMENSO, ABSURDO, DESMEDIDO, FOI CONHECER VOCÊ!
Mil vezes obrigada por tudo! Obrigada por existir! Fique com Deus. Seja feliz. E volte quando quiser. Sua família carioca estará sempre a lhe esperar.
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