quarta-feira, 30 de março de 2011

O dia em que fiquei sem meu pai

Hoje fui mexer em uma das caixas em que guardo notas fiscais, alguns recortes de jornal, cartões de aniversário e acabei dando de cara com uma cartinha que escrevi pro meu pai em 12 de agosto de 1999 - dia do seu aniversário no ano em que ele desencarnou. As lembranças de toda a minha vida com meu pai vieram à tona e fiquei vendo um filme com várias cenas e, inevitavelmente, uma dessas cenas foi o dia de 15 de outubro de 1999.

Meu pai já estava na UTI há 33 dias por causa de uma cirurgia no fígado para retirar um segundo tumor, metastase de um câncer que começou no intestino. As coisas já estavam indo mal, ele já estava precisando de diálise e era mantido cedado. Visitá-lo era cada vez mais penoso, vê-lo naquela cama, tão entregue, tão adormecido parecia surreal. Naquele dia, chegamos pontualmente às 15h para visitá-lo e não pudemos entrar junto com os demais visitantes. Mandaram que a gente esperasse. Acredito que estavam decidindo lá dentro quem nos daria a notícia. Lembro que a minha irmã ainda comentou: "Que estranho mandarem a gente esperar... Será que está acontecendo alguma coisa e não querem que a gente saiba?" Eu disse que era neura dela, que deviam estar fazendo algum tipo de higiene e tal.

Quando finalmente fomos chamadas, eu, minha irmã e minha mãe, ainda na sala que antecede a entrada na UTI, estávamos de pé e o médico veio. A partir daí minhas lembranças parecem névoa... Lembro da boca do médico se mexendo devagar, dizendo que meu pai estava morto. Acho que tentou esperar a gente, morreu às 15:15, mas não deu. Lembro da minha mãe desabando em uma cadeira que estava perto dela, lembro da minha irmã questionando tudo e lembro de mim, imobilizada, sem conseguir mexer nenhum músculo. Sem chorar, sem abrir a boca, sem dor, sem paz, sem nada. Lembro desse vazio e da minha irmã olhando pra mim, incrédula. Lembro dela dando uns passos em minha direção e, de frente pra mim, agarrou meus dois braços e me sacudiu falando: "Acorda, Paula, chora!!!!!" E só então eu comecei a chorar. E a sentir uma dor no meu coração. A dor da perda.

Enfim, no dia em que eu perdi meu pai eu compreendi muitas coisas. Que o mundo não pára quando a gente perde alguém muito querido. Que as estrelas continuam brilhando, que as demais pessoas continuam vivendo seu cotidiano, fazendo seus planos e mesmo que eu me perguntasse "Como pode ser assim? Meu pai morreu e todos seguem sua vida normalmente??" entendi que precisa ser desse jeito. Do contrário, a dor seria maior. A rotina é a melhor aliada de quem perde alguém precioso.

Hoje, quando li a cartinha que escrevi, agradeci a Deus, mais uma vez, por tê-la escrito. Meu pai morreu três meses depois de receber a carta e por causa dela sei que foi para o outro plano sabendo dos meus sentimentos por ele. Não deixei pra depois. Falei pra ele o que eu sentia e isso acalenta muito o meu coração. É muito importante não deixar nada pra depois porque como dizia Renato Russo, "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque, se você parar pra pensar,  na verdade não há". Então, vou dividir com você o que escrevi pro meu pai no dia do seu último aniversário junto de mim nessa nossa vida:

"Pai, hoje é o seu aniversário. O meu presente é dizer pra você várias coisas que eu sempre quis, mas, às vezes, é difícil e você sabe disso.
Quero lhe dizer que já faz tempo que descobri o quanto você ama a mim e a Claudia, do seu jeito, é claro. E isso é o que vale pra mim. Mesmo quando você é mal humorado, ranzinza, implicante, você está sempre presente do seu modo, do modo que você sabe.
Eu já estou bem grandinha e tenho muitas coisas na vida. Sou inteligente, tenho um bom emprego, um carro, posso comprar o que preciso e agradeço tudo isso a mamãe e a você. Vocês são os melhores pais que eu poderia ter. Mesmo quando você não é tão carinhoso, você sempre esteve e está ao meu lado, quebrando meus galhos,enfim, me mimando do mesmo jeito que a mamãe faz e que você critica!
Pai, eu quero que você viva muitos e muitos anos, quero dividir com você coisas que ainda não pude fazer como casar na igreja e ter filhos. Exijo que você se cuide e tenha fé. E como filha mimadinha que sou, não aceito um ´não´ como resposta. Se cuida. Eu te amo. Parabéns.
Paula"

Saudades eternas. A gente se vê, pai.

4 comentários:

  1. Paula,
    Chorei muito com este post. Lindo e perfeito! Eu senti exatamente a mesma coisa quando soube da recidiva. Lembro que olhava as pessoas no ponto de ônibus, outros indo à praia, uns até sorrindo e me perguntava como era possível, como eles não sabiam da minha dor?! Como aquele dia terrível para mim era tão normal para todas as outras pessoas? Surreal é a palavra.
    Fico feliz de saber que você consegui dizer ao sau pai o quanto o amava. Pelo menos esta dor você não tem. Ele partiu sabendo que era muito amado e que tinha dado certo como pai, como marido e como ser humano. E é só isso que a gente pode pedir, que seja lembrado com carinho, que deixe, como se diz em inglês, a "remarkable legacy," assim como seu pai fez.
    Beijos e fique com Deus. Seu pai já está lá!

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  2. Obrigada, Dani... Sei que vc entende. Estou em uma semana saudosa e, justamente nessa hora, encontro a carta dele. É como se ele estivesse dizendo pra mim exatamente o que vc escreveu: que ele sabe que foi e é muito amado. Beijos.

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  3. Paula, eu estou escrevendo esse comentário aqui e agora e as lágrimas estão escorrendo copiosamente pela minha face. Meu pai se foi dia 4 de novembro do ano passado; minha mãe, 2 de dezembro de 2004. Tenho meu irmão por aqui neste plano, e, acima de tudo, tenho Lucia aqui também. Não soube administrar o momento exato para enviar uma carta tão maravilhosa quanto a sua para nenhum dos dois. Todavia, sei que eles exerceram bem a missão de pais, porque amaram incondicionalmente um sujeito nem tanto amável como eu. Ainda que movido por essa tristeza e sensação de vazio eu te digo de coração aberta que discordo que não haja amanhã. Existe sim! Amanhã, depois de amanhã, e depois e depois e depois. Eu creio em Deus e em Sua Justiça. Ele jamais separou, separa ou separará aqueles que se amam. O hiato que se faz hoje é temporário apenas, e é fruto de uma imposição oriunda da nossa limitação atual. Vamos pedir a ELE e Ao Mestre Jesus que interceda por nós em SEU nome e pelo SEU nome, no sentido de que nossos amados pais estejam agora usufruindo do benefício de terem chegado próximo a plenitude do amor ao próximo através do cumprimento da nobre missão de terem sido (nossos) pais (mais) uma vez. Desejo a vc também, hoje na qualidade de mãe que abrace essa oportunidade única com toda a sua capacidade de amar, na certeza de que estará banhada pela intensa luz de um eterno amanhecer. DEUS TE ABENÇOE!

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  4. Meu querido Levi, acho que vc tm mesmo razão quando diz que há amanhã sim! Mas o que eu quis dizer é que muitas vezes a gente adia certas coisas e depois de arrepende disso. Hoje prefiro dizer o que sinto porque não quero me arrepender de ter perdido a chance. Sou feliz porque consegui embora eu saiba que meu pai continua sentindo as vibrações do meu amor por ele de onde ele está. Saudades de vc...

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