Eu sou Patricinha. Não sou fresca. Estou deixando claro porque o nome Patricia utilizado no diminutivo como adjetivo sempre carrega um tom pejorativo, denigre a pessoa. Quando uma mulher é chamada de Patricinha por alguém, esse alguém normalmente quer dizer que a mulher em destaque é frívola, fresca, não se mistura, só gosta de coisas que só muito dinheiro pode trazer. Eu penso que as tais "Patricinhas", e me incluo mesmo nesse grupo, são mulheres cheirosas, bem vestidas, ligadas em moda, elegantes, educadas e que, sim, gostam das coisas boas da vida, como bons restaurantes, teatro, shows, viagens, boas roupas com bom corte, mas esses gostos e modo de viver, definitivamente, não resumem essa mulher.
Sou uma Patricinha que gosta de churrasco, adoro samba, partido alto, gosto de estar com meus amigos em um lugar qualquer jogando conversa fora, gosto de ir ao mercado, na padaria, falo com o porteiro, com o caixa, com o ascensorista no elevador, enfim, acho que sou uma Patricinha do subúrbio, uma Patricinha filhinha de mamãe e de papai, mimada, que foi criada em Olaria, em um prédio cheio de meninos e só eu e minha irmã de menina. Meu coração é suburbano. Minha alma é suburbana.
Existe uma diferença entre a menina da zona sul e a menina do subúrbio. Não tem como essas duas criaturas serem iguais simplesmente porque o modo de vida é muito diferente, a criação que cada uma recebeu é distinta. Em certa ocasião escutei uma menina da zona sul falar pra outra: "Não tem o menor cabimento chegar aos 30 anos sem ter conhecido a Europa... É um absurdo!" Gente, fiquei pensando que eu fui criada em outro mundo mesmo e, na boa, agradeço por ter tido uma vida mais contada, embora nunca tenha me faltado nada, sempre tive tudo o que meus pais puderam me proporcionar, tudo mesmo, mas em que país a gente vive pra escutar uma frase dessas? A maior parte da população do Rio de Janeiro não conhece nem Cabo Frio... Só que as meninas da zona sul não gostam de ser "Patricinhas" porque não é bacana ser chamada assim, elas, muitas vezes, fazem a linha alternativa, descoladas e tal. Não podemos generalizar, tem gente bacana em todo bairro, em toda tribo, em toda profissão, mas que as tribos existem, existem e a gente não pode fechar os olhos pra isso, fingindo que não existe diferença. Quem nunca esteve pegando uma praia na Barra e ouviu que deviam fechar a linha amarela aos sábados e domingos pra galera do subúrbio não invadir?
O problema do subúrbio não é a localização. O problema é social. No subúrbio residem mais pessoas com menor poder aquisitivo e, consequentemente, falta educação de melhor nível, da escola e de suas famílias. Daí certos comportamentos meio fora da curva tipo estar na praia e começar a brincar de tacar areia um no outro sem se preocupar em atingir o vizinho, o tom de voz mais alto em ambientes públicos e por aí vai. Só que o subúrbio tem um lado que só o suburbano conhece. Esse lado de colocar a cadeira na calçada no final da tarde e conversar sobre as coisas mais banais, o lado de chamar o vizinho de porta pra ir comprar pão na padaria - a pé! O morador do subúrbio conhece seus vizinhos pelo nome e, ok, talvez a gente saiba um pouquinho mais que deveria sobre a vida do vizinho, mas a gente também cria mais vínculos até pra pedir ajuda, pra pedir um pouco de açúcar quando estamos batendo um bolo e nos damos conta de que o açúcar não será suficiente. E porteiro de prédio de subúrbio? É um capítulo a parte, é quase um noticiário ambulante com as notícias de todos os moradores: relata barraco, conta briga de marido e mulher, conta sobre os namoros menos silenciosos do 407 e não adianta a gente ir andando sem mostrar o menor interesse porque o porteiro de subúrbio também é diferente... Ele simplesmente vai falar de qualquer modo, não tem a preocupação de não ser educado o suficiente, discreto o suficiente. Suburbano se mostra mais, se permite mais. Compartilha mais. Tem problemas por causa disso? Sim. Mas e daí? Quem se fecha muito, não dá a cara a bater, se protege mais, mas também não aprofunda relacionamentos. E festa de suburbano? Pode se preparar porque comida não vai faltar! Nem animação, nem música e nem a tal da cervejinha "no grau" como diria o namorado.
Morei em Olaria até 1994, quando me mudei pra Ilha do Governador. Zona norte. Subúrbio. Mas é muito diferente da Leopoldina, devo dizer. A galera aqui é mais chique, vizinho não fala muito com o outro vizinho. Só agora depois de 18 anos morando aqui é que sei mais de alguns poucos vizinhos. Sabe quem fala bom dia até pras formigas da rua? O Bochecha, cantor, que é meu vizinho de frente, origem: subúrbio total!
Brinco sempre falando que "se morei em Olaria, não lembro..." mas a verdade é que eu saí de lá mas Olaria nunca saiu de mim... Toda a família do namorado é da zona sul. Muitas vezes quando vamos a algum lugar lá na minha área, a área da leopoldina, ou lá pros lados de Cascadura e Madureira (minha vó paterna morava em Madureira e a materna em Brás de Pina), o Hugo fala: "Ainda bem que estou com você, porque se me soltassem aqui acho que eu nunca mais chegaria em casa!" Ou, algumas vezes, quando tenho alguma reação mais acalorada ou um gesto mais amplo, mais espalhafatoso, ele fala brincando pra mim: "Agora mostrou que é do subúrbio mesmo!" Mas o namorado sabe que eu tenho um suburbano coração e que a Patricinha pela qual ele se apaixonou adora frequentar lugares bacanas e da moda, mas também é feliz no churrascão da esquina ou comendo um frango com farofa. É isso aí.
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