quarta-feira, 28 de maio de 2014

Os Doentes da Novela





Depois que Miguel nasceu, não tive mais tempo de assistir novela. A última novela que assisti do início ao fim nesses últimos 5 anos foi o remake de "Paraíso". Era a novela das 18h, eu estava de licença maternidade e adorava assistir com o Miguel no meu colinho. Nem a novela "Avenida Brasil" da qual todos comentavam, quase estericamente, eu assisti. Um capítulo ou outro, esporadicamente, é o máximo que consigo hoje em dia. Geralmente, a televisão está ligada enquanto estou fazendo alguma outra coisa. Só que ainda por cima, quando resolvo prestar atenção a alguma cena, acabo chateando minha mãe porque tenho que fazer tantas perguntas sobre o que está rolando na trama, que acabo mais incomodando a pobre que entendendo os acontecimentos. Acabo deixando pra lá. 

Enfim, depois do nascimento do Miguel, assistir novela virou um luxo ao qual eu não tinha mais direito e, na verdade, sem ter tempo sobrando, o que aconteceu é que acabei priorizando meu tempo pra fazer coisas mais proveitosas e úteis. Acaba que o "ficar sem tempo" me fez um bem, porque ao invés de ver a novela quando sobravam uns minutos de paz, eu preferia ler um livro, uma vez que virou uma questão de não poder deixar o livro pra depois da novela. Afinal, era aquela brecha naquela hora ou deixar pra lá. Com filho pequeno a gente não tem muito como planejar o depois. 

Entretanto, como essa novela "Em família" é do Manoel Carlos, resolvi gravar os primeiros capítulos pra "ver qual era". Na boa, depois da primeira semana, me enojei tanto que larguei essa ideia besta pra lá. Eu nunca vi tanta gente doente em uma só novela. Aquilo foi me dando uma angústia, que nem sei. Não assisti mais. Não estou aqui pra ficar angustiada assistindo maluquice alheia. Maluca basta eu e a vida. E minha maluquice está controlada. Cuido dela com muito carinho pra não perturbar os outros, nem causar dores à toa em quem não merece.  

Vamos e venhamos: a personagem da Vanessa Gerbelli (desculpem mas 1 semana não foi suficiente pra gravar o nome das personagens todas), a mulher que tentava engravidar desesperadamente sem sucesso, resolve que a filha da empregada é sua filha. Totalmente fora da realidade. Não só entra nessa de que a menina é sua filha, como ensinou a garota a lhe chamar de mamãe! A Helena, personagem principal, é o tipinho de mulher que adora ter os homens orbitando ao seu redor, sorri pra um, faz um carinho em outro, charme aqui, charme ali. Enfim, fazendo o estilo "sou muito livre e faço o que me der na cabeça, ninguém é meu dono e quem quiser que me acompanhe", enlouquece o cabeção dos caras. Tudo de um jeito muito inocente, sabe? Quase sem querer. Esse tipo de mulher é um tipo perigoso. Desse jeito, colou com dois doidos como ela: o Virgílio (Humberto Martins) cheio de complexo de inferioridade, aceitava qualquer migalha. E o enjoado do Laerte, ciumento patológico, achou que Helena seria sempre dele. E taca-lhe controle, ciúme e brigas horrorosas. 

Minha mãe me disse hoje que o Virgílio está conseguindo romper o círculo vicioso, dando um basta nas loucuras da Helena. Talvez haja salvação pra essa criatura. Tomara.

Aí tem a tal da personagem da Helena Ranaldi. Gente, a mulher ouve da boca do namorado que a mulher da vida dele é outra e continua com ele. O cara diz "na lata" que não gosta de dormir junto com ela na mesma cama, ele acha que mesma cama é só pra transar, mas na hora de rolar um "dormir de conchinha", nem pensar. Cada um dorme em sua cama e ela aceita. Pior, ela sabe que o cara sai correndo atrás de tudo quanto é mulher que lhe lembre a tal da Helena e ... pasmem! Ela continua com ele. Não aguento. É forte demais.

Aí tem a Clara (Giovanna Antonelli). Nada contra ela se apaixonar pela fotógrafa. Pra mim, está tudo certo. Não faz diferença se ela vai largar o marido pra ficar com um novo homem ou mulher. O que me irrita é essa chatice de ela ficar "cozinhando em banho maria" o marido. Pelo amor de Deus! Não venha com essa história de que o cara está doente, que melhor seria deixar pra depois essa decisão de se separar ou não, isso é sacanagem com o cara. O marido está doente mas não é burro. 

Minha mãe me falou hoje que a filha da mulher que, no início da novela, foi estuprada por 2 caras, agora quer porque quer descobrir quem é seu pai. Agora veja você! E está se envolvendo nessa de prender tudo quanto é estuprador. Uma menina que faz sua faculdade, cheia coisas pra estudar, transformou em objetivo de vida ajudar a polícia a prender estupradores. E a mãe, coitada, tem que reviver através da filha, toda a dor que passou anos atrás. 

Pra piorar ainda mais, vi em um comercial que a Bruna Marquesine, quer dizer, a personagem dela, está namorando o ex da mãe que todo mundo sabe que não presta. Até o fato de namorar o ex da mãe, tudo certo. Não estou nem aí pra isso. Mas namorar o cara que deixou o pai com uma cicatriz horrível na cara e ainda tentou enterrá-lo vivo, já é demais. Quem, em sã consciência, que cresceu sabendo que o pai sofreu muito por conta desse episódio com o "melhor amigo", se aproximaria do tal do Laerte sem o menor pudor? Na boa, eu tenho nojinho só de olhar pros dois se beijando no comercial. 

E esses são só os doentes principais. Tem muitos outros. O Manoel Carlos se esmerou e conseguiu criar personagens mais doentes que nunca. E reuniu todos eles em uma única novela. Acho que ele estudou o que há de pior na literatura de psicoterapia e traçou o perfil desse povo. Definitivamente, não dá pra assistir isso. Estão subestimando muito minha inteligência. Eu não aguento. E não estou aqui pra ficar dando uma de intelectual que não assiste novela, não... Eu sempre gostei de novela. Mas é cada situação tão louca, é tudo tão surreal, que me desgasta só de assistir. E eu não estou nessa vida pra isso, gente. De doente, basta eu. Eu já sei que de perto ninguém é normal. Mas amor próprio é algo muito importante pra qualquer relação. E esse pessoal da novela está muito sem dignidade. Encheu minha paciência.

terça-feira, 27 de maio de 2014

TE AMO... Pra quem mesmo?




O primeiro "EU TE AMO" a gente nunca esquece. E eu estava esperando o dia que esse eu te amo do meu filho viria por escrito. Miguel é muito carinhoso e fala que me ama sempre. Mas como está começando a fazer as letras do alfabeto, estou esperando o dia de receber algum bilhetinho com essas três palavrinhas mágicas que tem o poder de fazer uma pessoa tão feliz. Mas até agora... Nada. Achei que no dia das mães ele fosse se animar pra me perguntar como se escrevem as tais palavrinhas, mas não rolou. "Tudo bem, continuo na espera desse dia", pensei.

Sábado passado foi aniversário do Itallo, padrinho do Miguel e marido da minha irmã. E o Miguel adora o padrinho. Eu não poderia ter escolhido melhor. Na minha família a gente tem uma tradição que pode parecer meio boba pra alguns, mas faz todo o sentido pra gente: sempre escolhemos família pra apadrinhar e escolhemos os mesmos padrinhos pros filhos. Eu e minha irmã temos os mesmos padrinhos. Minha irmã tem duas filhas e as duas são minhas afilhadas e de nosso primo Junior. E, se eu tivesse 10 filhos, todos seriam afilhados da minha irmã e do Itallo. 



Mas, voltando ao assunto principal - como geminiano fala, né? - Miguel decidiu fazer um desenho pra dar de presente ao padrinho. Achei ótima ideia. Ele fez um desenho bem acima da sua média, porque normalmente faz um monte de rabisco e não dá pra identificar muita coisa. Ele coloriu o desenho e disse que queria uma "coisa de botar dentro". Depois de muito insistir pra saber o que seria "essa coisa", acabei descobrindo que se tratava de um envelope. Ele dobrou o desenho e colocou no envelope. Aí perguntou onde colocava o nome dele, mostrei o local do remetente e ele escreveu seu nome. Miguel me perguntou como se escrevia o nome do padrinho. Mostrei e ele escreveu. E pra minha surpresa - ou seria ciúme? - disse que queria escrever "te amo" pro seu Dido (é assim que Miguel o chama).



Tentando ser uma mãe equilibrada, falei pra ele as letras e escrevi em um papel pra ele copiar. E ele o fez, sem a menor dificuldade. Não me aguentei e perguntei:

- Filho, quando é que você vai escrever "Mamãe, eu te amo"? 

Miguel respondeu:

- Não sei. Eu falo isso pra você toda hora. 
- Eu sei, filho, mas você nunca escreveu isso pra mim. Você bem que poderia fazer um desenho e escrever "TE AMO" pra mim, né?, insisti.
- Não, é só pro Dido mesmo. 

Meu filho tem o dom de encerrar um assunto sem a menor cerimônia. Doa a quem doer.

E assim, o primeiro "TE AMO" que meu filho escreveu não foi pra mãe e nem pro pai. O "TE AMO" provado, através de lápis e papel, foi endereçado ao padrinho. Quem entende cabeça e coração de criança? 

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Meu amigo




Ontem eu e Miguel estávamos na cozinha comendo. Estávamos sozinhos porque o Namorado tinha ido tomar um chopp com os amigos. A televisão estava ligada e começou a passar a matéria semanal do Fantástico a respeito de câncer de mama. É um assunto que me toca muito porque o câncer é uma doença muito covarde e quem já teve ou tem alguém na família ou amigos que viveram isso, acaba sentindo um pouco mais.

A matéria de ontem me emocionou em especial porque mostrava uma mulher grávida que descobre uma recidiva. Os médicos pensam em um aborto, mas decidem adiar o início da quimioterapia quando constatam que ela está com 8 semanas. Arriscando um pouco mais a saúde da mãe, começam o tratamento somente depois dos 3 primeiros meses, quando o risco para o bebê cai muito. Então, aquela luta pra levar a gestação até o final, a vontade de ser mãe daquela mulher, tudo isso me comoveu muito. Depois que decidi que queria ser mãe, mesmo que essa decisão tenha demorado a chegar, eu quis com todas as minhas forças e lutaria até o fim para ter o Miguel em meus braços, exatamente como ela fez.

Eu comia e chorava. Assistia a matéria e chorava. Bebia coca-cola e chorava. Miguel ali, ao meu lado, olhando pra mim. E isso me fazia chorar um pouco mais porque eu tenho meu filho comigo, sem precisar lutar o tanto que aquela mulher estava lutando. 

Miguel perguntou:

- Mãe, você está triste, né? É porque a moça está doente?

E respondi:

- Sim, filho. Estou triste porque ela está doente e também o tratamento pode fazer mal ao bebê que está na barriga dela. Estou chorando porque tudo o que ela mais quer é ter um filho, é ver o bebezinho dela nascer. Tudo que ela quer é ter uma criança na vida dela, uma criança linda e especial como você é pra mim. Eu tenho você, filho. E eu queria muito que ela conseguisse também. 

Miguel sorriu pra mim e não falou mais. Largou o pão no prato e, sem dizer nada, apenas olhando nos meus olhos, estendeu sua mão com a palma aberta virada pra cima sobre a mesa em minha direção. Com a mão aberta, olhando pra mim, ficou esperando. E eu estendi meu braço e agarrei sua mãozinha chorando ainda mais. Chorando pela benção, não só de ter esse filho, mas por ter um filho tão especial, tão sensível, tão carinhoso. Um filho que sabe me consolar sem precisar dizer uma só palavra. Uma criança que entende o quanto é importante pra mim e o quanto sou feliz por tê-lo em minha vida.

Ele continuou comendo, segurando o pão com a outra mão. Eu continuei olhando pra TV. E nós continuamos de mãos dadas, até que eu parasse de chorar.


sábado, 24 de maio de 2014

Palmada

Nosso governo tem tanta coisa com a qual se preocupar e insiste em gastar precioso tempo pra mudar o que deveria estar em último lugar em uma lista de prioridades. Sempre deixo claro, aqui no blog e entre as pessoas que me conhecem, que não bato no meu filho. E não falo isso como quem levanta uma bandeira ou se sente mais ou melhor mãe por agir assim. A verdade é que sempre fui muito ruim em bater nos outros mesmo. Desde criança. Nunca entrei em briga física, nunca bati em ninguém. E tenho uma irmã que não me deixaria mentir. Mesmo sendo a irmã mais velha, eu é que apanhava dela. Minha Sis, sim, sempre foi boa de briga e batia mesmo em quem quer que fosse, menina ou menino, menor e maior que ela. Aliás, como sempre foi baixinha, ela batia, na grande maioria das vezes, em pessoas maiores que ela.

Então, não bato mas não condeno quem, de vez em quando, dá uma palmada no filho. Eu apanhei (pouco, é verdade, porque não era de fazer muita besteira), mas minha irmã apanhou muito. Por "muito" não se deve entender que ela foi espancada. O que acontecia é que todos os dias minha irmã arranjava um jeito de apanhar, quer dizer, ela sempre conseguia tirar minha mãe do sério. No fundo, a tolerância das duas tem o mesmo comprimento. E estamos aqui, eu e minha amada irmã, vivinhas da Silva, pessoas de bem, educadas e com respeito ao próximo. Aprendemos limites, aprendemos a respeitar o espaço alheio. Por tudo isso é que achei o texto de um ex-aluno aqui do CCAA, hoje advogado e amigo, Luis Carlos Vils Rolo, muito propício. E estou dividindo com vocês:


"Antes de falar sobre a "maravilhosa" Lei da Palmada, ou melhor, "Lei menino Bernardo", gostaria de fazer uma pequena enquete:


- Quem de vocês apanhou quando criança ao fazer alguma besteira e hoje está revoltado, traumatizado ou teve a vida destruída?

Primeiro, é preciso ter noção do que significa a família para a sociedade. O ser humano, ao nascer, não sabe falar, não sabe ler, não conhece valores éticos e morais, não possui limites, não tem roupa, não tem patrimônio, não tem cultura, nada.

A vida em sociedade exige regras. Em meu curso de Direito, aprendi que o Direito nasce quando existe o outro. Para quem vive sozinho em uma ilha deserta, o Direito não faz o menor sentido. Só existe Direito, porque entre você e o próximo é necessário haver limites, sob pena de termos a barbárie.

Então, é preciso que alguém transmita para este ser humano que nasceu estas regras para a vida em sociedade. Linguagem ,cultura, valores, enfim, todo o arcabouço normativo que permita a alguém conviver com o seu próximo de forma digna. Também é importante que este ser humano seja alimentado, tenha o que vestir e tenha onde morar. Se este ser humano que nasceu não consegue nada disso sozinho, alguém deve fazer por ele e, a esta altura do campeonato, todos vocês já concluíram mentalmente que quem deve ser responsável por isto é a família.

De fato, a própria existência da família pressupõe a existência de uma prole. Um casal que mora juntos, sem filhos, são apenas duas pessoas sobrevivendo juntas, mas, cada qual conseguindo manter seu próprio grau de individualidade. É a partir da prole que nascem obrigações recíprocas e a coalizão necessária para transformar indivíduos que coabitam em uma família.

Daí porque se diz que a família é a célula mais importante da sociedade. É no seio da família que os seres humanos que nascerem vão receber a formação ético-moral-linguística que os prepararão para a vida social.

Todavia, para transmitir valores a este ser humano que não possui nenhum, é preciso, muitas vezes, impor autoridade, demonstrar hierarquia e ensinar respeito. O ideal é que isto seja feito com palavras e afeto, mas em boa parte das vezes, é preciso utilizar o mecanismo do castigo para que este ser vivo se sinta desestimulado a praticar determinada conduta antissocial e se sinta efetivamente punido pelo erro praticado. Todo aquele que cria um filho sabe muito bem que o "não" muitas vezes não é suficiente. Quando a sua mãe dá um tapa quando você insiste em enfiar o dedo na tomada, é porque ela não quer que você tome uma descarga elétrica, que é muito pior. Os pais batem por amor.

O espancamento é crime hoje, com as leis que temos hoje. Educar é uma coisa. Torturar e maltratar é outra e não precisamos de nenhuma nova lei para ensinar isto às pessoas. Por outro lado, inexiste qualquer sensação social de "Impunidade" para quem espanca os filhos. Quem é denunciado está preso e foi destituído do Poder Familiar. Qualquer abuso deve ser punido, mas os pais não podem ser impedidos de cumprir a sua função social de educar seus filhos.

Mas não é o que pensa o nosso governo.

Contrariando a vontade da imensa maioria, nossos legisladores querem decidir como criar nossos filhos. Querem transformar a escola, que já falha em ensinar as ciências básicas, se transformem em centros de doutrinação, escolhendo que valores que as crianças devem receber. Ao impedir os pais de impor limites aos filhos, a nova lei da palmada criará uma geração de crianças mimadas, egoístas e incapazes de viver em sociedade.

O pior é que é este mesmo governo que hoje quer impedir os pais de educarem seus filhos, é o que apoia grupos abortistas. Ou seja, pela lógica, os pais não devem bater em seus filhos. Devem matá-los ainda dentro do útero (?!?!?!?).

A esquizofrenia dos legisladores brasileiros é tamanha que decidiram mudar até o nome da lei, que era "Lei da Palmada", para "Lei Menino Bernardo", como se comparasse a palmada educativa com o assassinato de Bernardo por uma injeção letal! - Os pais educam seus filhos com injeções letais???

Digo e repito: a família é a célula mais importante da sociedade. O governo, ao invés de destruí-la, deveria estimulá-la. Se fizesse isso, teríamos menos crimes, menos egoísmo, menos maldades e mais amor."

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Vamos nos ajudar?



"Fazer o bem não importa a quem". Essa é uma frase que faz muito sentido pra mim. Quando ajudamos alguém, quando nos importamos, seja doando tempo, força, ouvido, braço, esse bem feito é pra nós mesmos. Uma das melhores sensações da vida é ajudar o próximo. É como se uma leveza nos invadisse. 

Mesmo que me chamem de idiota ou inocente, acredito que o bem vence o mal. Acredito nos mocinhos. Acredito na verdade e na luz. Acredito no amor e em Deus. E acredito que quanto mais praticamos bondade e solidariedade, mais sentimos nossa vida em sua plenitude e serenidade, porque existe uma paz que só vem quando estamos em comunhão com a energia de Deus. E quando somos solidários, quando estendemos a mão, essa energia nos invade e envolve não só nosso corpo como o das pessoas perto de nós. 

Vamos viver melhor? Vamos nos ajudar? Não precisamos começar com coisas grandiosas. Caridade começa dentro de casa, começa com nossos colegas de trabalho, com nossos amigos. Começa dentro do ônibus que pegamos todos os dias pra ir trabalhar, na rua pela qual andamos. Sempre há alguém precisando de ajuda e sempre há alguém que pode ajudar. As oportunidades para fazer o bem são colocadas na nossa frente diariamente. É só estar pronto pra aproveitá-las. É só ter olhos pra enxergar a nossa volta. 


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Prada ou Chanel?

Conversando com uma pessoa muito próxima outro dia, escutava o caso que estava sendo contado pra mim e refletia a respeito de como nossa sociedade nos ensina, desde cedo, a dar valor a pessoas pelo que têm e não pelo que são. E fiquei me sentindo meio idiota, diante de tanta babaquice. 

Era a história de um almoço. Essa pessoa contava que foi almoçar no Gero - um restaurante caro aqui no Rio de Janeiro, na Barra - com uma amiga. Ao chegarem lá, notaram que devia estar acontecendo algum tipo de evento no local pela quantidade de caros estacionados, a maioria deles Range Rovers. Lá dentro, de fato, havia um evento. Dentro do restaurante, estavam mais de 40 mulheres comemorando o aniversário de uma delas. Todas estavam na faixa dos 30 anos. Todas muito bem vestidas, maquiadas, penteadas e muito magras. Segundo minha amiga, pouco comiam, apenas beliscavam e bebiam seus proseccos, sem falar que o bolo da aniversariante ficou praticamente intocado (açúcar?? Nem pensar!). Mas não é exatamente aí que quero chegar.

O que me chamou a atenção, assim como a dessa minha amiga que contava a história, é que sua companheira de almoço, uma mulher moradora da Barra também, não parava de olhar para as mulheres reunidas alí e dizer:

- "Nossa, aquela bolsa vermelha que ela está usando é uma Chanel! Custa 20 mil reais!" 
- "Olha lá! Aquela alí está usando um Louboutin lançamento!!"
- "Meu Deus, a outra está com uma bolsa Prada! Ela custa 18 mil!"
- "Aquela outra está com uma pulseira Cartier no pulso!"

E por aí seguiu em seus comentários a respeito das marcas das bolsas, vestidos, sapatos e seus respectivos preços. Seus comentários vinham carregados de uma certa admiração por aquelas mulheres, pessoas que tinham o que ela não tinha. As colocações a respeito do preço vinham com um quê de: pra frequentar esse mundo é preciso ser como elas. Só que aí é que o SER e o TER se confundem. Quem são aquelas mulheres? Quais seriam seus valores? Por quais causas lutam? Que virtudes as distinguem dos demais, as tornam únicas? Ou será que são únicas e diferentes dos demais apenas porque podem ter objetos que custam muito e, assim sendo, poucos podem tê-los e isso as torna especiais? Não estou aqui querendo julgar as mulheres até porque não as conheço. Elas podem comprar um "Manolo Blahnik" da mesma forma que eu compro um Schutz, fulaninha compra um "Andarella" e ciclaninha compra um "Di Santinni". O que me incomoda é como essas coisas, aos olhos da amiga da minha amiga, fazem com que aquelas mulheres sejam quase deusas. E, como ela, existem muitas outras pessoas assim. Pessoas que julgam pelas aparências, pro melhor e pro pior. 

Entendam, não me choca que aquelas mulheres estejam usando todos esses itens caríssimos (pra mim). Eram mulheres novas e todas devem ser extremamente bem sucedidas, ou ter maridos ricos ou serem oriundas de famílias ricas. Enfim, isso nem vem ao caso. Uma bolsa Victor Hugo é cara pra muita gente, assim como uma Arezzo ou Renner. Tudo depende de quanto você está disposta a gastar e de quanto você trabalha pra ganhar seu suado dinheirinho. Tudo depende de quanto você ganha. Há público para todo tipo de produto e de preço. Quem ganha mais, gasta mais, se quiser ou tiver vontade. O que me choca mesmo nessa história toda é a admiração da amiga da minha amiga pelas marcas e produtos utilizados. O que me espanta é que minha amiga disse que o almoço delas acabou ali, não havia mais assunto que fizesse sua companhia de almoço parar de olhar para os adereços que as mulheres do tal aniversário ostentavam. Nenhuma conversa fazia sentido ou prendia sua atenção, a não ser os vestidos, brincos e saltos. Era como se tudo aquilo fosse mais importante que o almoço em si. Era como se aqueles objetos imprimissem um valor maior àquelas pessoas que as usavam. E isso é muito esquisito.

Eu sei que todos julgam pelas aparências. Tento não fazer isso e venho melhorando muito, principalmente quando você lida com o público. Os ensinamentos chegam todos os dias, a todo instante. Não dá pra julgar. Quantas vezes vi mulheres cheirosas e bem vestidas ficarem devendo à escola. Quantas vezes me deparei com pessoas nas quais não coloquei a menor fé, mas que pagaram o semestre à vista. Quantas pessoas mal vestidas nunca atrasaram uma mensalidade de seus filhos. Por tudo isso é que sei que ninguém pode viver de aparência. Isso é só uma forma de enganar ou mascarar o que está atrás de tudo o que usamos. Muitas vezes somos o que mostramos ser. Mas nem sempre é assim. 

Eu sou uma pessoa que gosto muito de me vestir bem, usar bons sapatos, maquiagem de qualidade. Mas não acho que eu tenho mais valor que alguém que não usa as mesmas marcas com as quais me identifico e que meu bolso pode pagar. Se você tiver um bom olhar pra escolher, poderá vestir-se muito bem usando coisas baratas. Custar pouco não é sinal de coisa vagabunda. E tudo depende muito de como você se porta, de ter a cabeça erguida, da sua linguagem corporal perante o mundo. Não raro alguém elogia uma camisa minha e é tomada de surpresa quando digo que comprei na Renner. Mas temos a mania de achar que o belo custa muito. Que o de boa qualidade custa muito. Já vi coisas em lojas caras terem péssimo caimento e durabilidade. E o que eu coloco no meu corpo passa uma mensagem pro mundo, eu sei disso. Mas não me define. Eu não sou minha bolsa Chanel ou Prada (se eu as tivesse...kkkkkk). Eu sou muito mais. E não vou entender nunca se eu, pra ser aceita em determinado grupo social, tiver que comprar as "marcas" consideradas bacanas. Eu uso o que gosto, o que cai bem em mim e o que posso pagar. Permito-me comprar marcas caras de vez em quando - principalmente quando viajo pra poder pagar menos - mas isso não me faz mais ou menos feliz. E não quero que as pessoas achem que sou mais legal porque estou usando uma Cartier no pulso. Enfim, eu não sou o que eu uso. Isso mostra apenas uma pequena parte de mim.

Eu sou Paula, muito mais que Chanel ou Prada. Muito prazer. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Disney com pequenos










Desde que voltei de Orlando, a pergunta que mais escuto é: "E aí... Como Miguel se comportou?" Na verdade, o que todos querem saber é se vale a pena levar seu filho pequeno pra andar em tantos parques - andar muito - e se ainda assim ele se diverte e aproveita o que há pra ser aproveitado por eles. O que todo mundo quer saber é se vale a pena investir tanta grana pra levar seu filho ainda tão novinho. E minha resposta é que depende. Depende do filho que você tem e do tipo de férias que você quer ter. 

Bom, cada experiência é uma experiência e, pra mim, o principal é você conhecer o filho que tem. Todo pai tem uma noção ou deveria ter do que esperar do seu filho em situações desgastantes. Disney World é divertido e tudo é muito lindo, sim, mas não dá pra tapar o sol com a peneira: seu filho vai ficar de lá pra cá o dia todo, pode ficar irritado, pode querer dormir até mais tarde, pode querer fazer coco no parque, pode chorar na hora de entrar em um brinquedo depois de quase uma hora de fila. Por isso, é melhor considerar todas as hipóteses antes de se decidir. E tem outra coisa a ser ponderada: você vai querer passar suas férias tendo mais trabalho do que teria se tivesse ficado em casa? Sim, porque quando você viaja com um bebê, é preciso carregar o mundo na mala e a cada dia o mundo deverá vir na mochila que carregará nas costas. Por tudo isso é que eu tinha certeza que antes dos 4, 5 anos, eu não viajaria pra Disney com o Miguel. Não era nem por ele, não. Era por mim mesmo. Férias são pra se divertir e esquecer dos probleminhas chatos do dia-a-dia e eu nem cogitava a possibilidade de passar minhas férias carregando um bebê que ficaria irritado no meio de tanta gente, de tanto barulho, de tanta luz. Não poderia cogitar a possibilidade de ter o mesmo trabalho que já se tem em casa quando se tem um bebê, com o agravante de você não estar na sua casa. Eu queria muito levar o Miguel pra Disney, mas queria que ele já tivesse maturidade pra aproveitar e pra me deixar aproveitar. 

Então, conforme Miguel foi crescendo e me mostrando seu comportamento em outras viagens menores, tive a certeza que o levaria com 5 anos ou quase cinco (Miguel fez 5 anos agora em maio e fomos em abril). Ele já tinha a altura mínima pra andar na maior parte dos brinquedos (42" ou 107 cm), desconsiderando as montanhas-russas, é claro, e mostrava, além de uma vontade muito grande de estar lá, um espírito leve e desencanado. Sendo assim, achamos que valeria a pena antecipar nossos planos, já que inicialmente pensamos em levá-lo quando estivesse com 7 anos. 

No primeiro dia de parque, notei que Miguel não estava esperando por aquilo que viu. Por mais que a gente imagine o que é estar em Disney World, não dá pra ter real noção a menos que se esteja lá. E foi isso o que aconteceu com ele. Notei uma certa insegurança com o ambiente. Nada que fugisse do esperado: Miguel é assim, precisa sentir as pessoas, o ambiente, precisa "entender como a banda toca" e qual o ritmo das pessoas com as quais está lidando, pra descobrir como se portar. Depois que ele entende isso, a coisa flui muito bem. E lá não foi diferente. Miguel logo entendeu a dinâmica de nossos dias, entendeu a hora de acordar e as atividades que fazíamos durante o dia, entendeu que não havia muita variedade de comida dentro dos parques e nem se importava de comer o que eu trazia pra ele. Se fosse nuggets, ok. Se fosse cachorro-quente, beleza. Se fosse pizza, melhor ainda. Miguel nunca reclamou de acordar cedo e nem de cansaço. Não dormiu durante o dia nem uma vezinha. Olhos bem abertos, não perdeu nem um detalhe. Miguel se divertiu e deixou que a gente se divertisse muito. 

Então, como cada criança é uma criança, não dá pra estabelecer uma idade ideal pra fazer esse tipo de viagem mais longa. Isso tem a ver com a viagem que você quer ter e com a criança que você tem. É como eu falei, eu não queria carregar um bebê pra cima e pra baixo, trocar fralda de coco, parar pra dar mamadeira. Queria viajar com meu filho entrando no meu ritmo, uma criança que já falasse claramente o que queria e o que não queria, que pudesse aproveitar realmente os parques. Não sei da realidade de outras pessoas, mas uma viagem pra Disney com filhos é um dinheiro considerável. Pelo menos pra mim. Eu queria fazer uma viagem confortável, que pudesse comprar pro meu filho os brinquedos que desejasse e nos programamos pra isso. E esse foi mais um motivo pra pensarmos em levar o Miguel com uma idade na qual pudesse, de verdade, tirar proveito de tudo. E estávamos certos. Fomos na idade ideal pra ele e pra nós. E fizemos uma viagem inesquecível, cheia de momentos lindos, de muitas gargalhadas, de muitas lágrimas (minhas, pra variar!) e de muitos olhares cúmplices. Uma viagem de bençãos e de muitos agradecimentos. Por isso tudo é que, quando ouço meu filho dizer com tanta felicidade "quero voltar pra Disney!!", sei que propiciamos a ele e a nós dias de divertimento em família únicos. E isso ficará guardado em nossos corações pra sempre. 


domingo, 11 de maio de 2014

Obrigada, mãe!!




Mãe, eu devo ter sido uma pessoa muito bacana pra ser merecedora, nessa vida, de ter você como mãe. Por mais que, quando criança, eu tenha sentido inveja das amigas que tinham a mãe por perto o dia inteiro, não demorou muito pra que eu entendesse o quanto guerreira e lutadora você era, é... Sempre foi.

Enquanto todos os meus colegas de escola tinham sua mãe sempre em casa, você estava a frente de seu tempo: trabalhava, estudava, cuidava da casa, do marido e de duas filhas. Eu admiro você. Admiro sua vida, tudo o que você conquistou. E hoje sei exatamente as loucuras que fazia pra estar presente em todas as festinhas da escola, do ballet, nas apresentações, audições de piano. Você era presente, mesmo que tivesse que ser malabarista. Nunca senti falta de ter mãe, mesmo que você não pudesse ficar o tempo todo com a gente. Muitas vezes ouvi que éramos crianças "largadas", que ficávamos por conta de empregadas, "coitadinhas". Mas nunca me entristeci ao ouvir isso, nem por mim e nem por minha irmã. Nós sabíamos que não era verdade. Eu ficava triste por você, pela injustiça. Ninguém nunca soube como era a sua batalha diária e em quantas você se desdobrava pra que nunca nos faltasse nada. Nada material e nada do que mais importava: carinho, companheirismo, amizade.

Eu preciso que você tenha a certeza de que sou extremamente grata a você por ter me ensinado, não com palavras, mas com exemplos, o que é abrir seu próprio caminho sem ajuda de ninguém influente, única e exclusivamente por mérito próprio. Você é minha inspiração, é meu porto seguro. Você é o colo certo, o esporro que ensina, o carinho mostrado com atitudes. Você e meu pai me ensinaram que palavras muitas vezes são levadas pelo vento, mas que atitudes ficam pra sempre.

Quero lhe agradecer também por ter me dado, além de educação, valores, honestidade, palavra, uma companheira para toda a vida: minha irmã. Ela é, sem dúvida, alguém que vai ficar de mãos dadas comigo pra sempre, do mesmo modo como fazíamos, caminhando pela rua, quando íamos pra escola juntas.

Obrigada, mãe. Você é inigualável.


sábado, 10 de maio de 2014

Carta para meu filho







Filho, 

há cinco anos vi seu rosto pela primeira vez. Muito antes da hora, tão de surpresa, exatamente no dia das mães de 2009. Um presente. O presente. E meu mundo virou de cabeça pra baixo. Pra depois se endireitar. E endireitou de um jeito que não posso mais imaginar essa minha vida sem que você esteja nela. Não dá mais pra voltar a ter aquela vida leve e descompromissada de antes. Tudo o que faço hoje tem mais peso. Paradoxalmente, sinto-me leve. E estou escrevendo isso, não para que você se sinta responsável por essas tantas mudanças que ocorreram ao meu redor e em mim mesma desde que você chegou. Escrevo pra você para que saiba o quanto sua mãe lhe ama e o quanto eu gostaria de ser perfeita e não ter os milhões de medos que tenho agora. Você está crescendo e isso me traz muitas preocupações porque o mundo está se abrindo pra você. Sua vida está se ampliando. E o mundo anda muito louco. As pessoas estão muito estranhas.

Pra começar, tenho medo de que algo ruim aconteça com você. Tenho medo de lhe perder. Nunca tive tanto medo de perder alguém. Nem mãe, nem pai, irmão ou marido. E por ter tanto medo de que algo lhe aconteça é que sei que tenho que me policiar porque não estarei com você o tempo todo e que a cada ano que passa você estará mais tempo sem mim, porque vai viver a sua vida e não a vida que eu quero que você viva. Por isso, quero que saiba que lhe entrego a Nossa Senhora todos os dias quando saímos de casa. Peço a Maria que lhe cubra com seu manto e que lhe proteja. Só Maria, mãe de Jesus, que sofreu mais que qualquer mãe no mundo, pode entender as angústias de outra mãe. 

Miguel, eu tenho medo de querer que você seja alguém que não é. Tenho medo das minhas expectativas e luto comigo mesma o tempo todo para não passar pra você tudo aquilo que eu, na minha ideia do que seria uma vida boa, desejo pra você. Tenho medo de não aceitar suas faltas, suas falhas. E tenho medo disso, porque não quero ser uma mãe que pressiona, que impõe sua vontade. Não quero ser uma mãe que não aceita o que o filho quer ser, o que o filho é, do que ele gosta e não gosta ou os seus desejos. Quero que você seja livre pra fazer suas escolhas e que não tenha receio de me decepcionar. Eu lhe prometo que vou tentar com todas as minhas forças e, desde já, lhe peço perdão porque, por ser humana, sei que vou falhar em algum momento.

Tenho muito medo do mundo lhe maltratar. Mas tenho muito mais medo de você não saber lidar com as lambadas do mundo. Acho que toda mãe, se pudesse, teria os filhos sempre em seu campo de visão, nem tão perto a ponto de influenciar suas decisões, mas nem tão longe a ponto de  perder o filho de vista. Assim, a mãe poderia assistir, de longe, o filho trilhando seu próprio caminho com a garantia de que a primeira mão a estender quando tropeçasse fosse a dela. Tenho medo de que esse mundo, que anda tão insano e com pessoas tão insensíveis, lhe roubem do amor. Tenho medo que essa loucura que nos cerca lhe tire a vontade de acreditar no amor. 

Eu sei, eu sei. Pareço fora do normal escrevendo pra você, falando dessas coisas quando você está completando apenas 5 anos hoje. Mas é que já vejo você tão mais solto, tão mais seu, sabe? E não posso evitar a dor de saber que, sim, você vai sofrer. É da vida. E o sofrimento faz crescer, amadurece. Foi assim que minha mãe me ensinou que seria. E foi. E hoje imagino com que dor sua avó me viu sofrer algumas vezes. Passei por várias situações de sofrimento durante a minha vida e acontece ainda, é claro. Do mesmo modo, será com você. É desse jeito com todo mundo. Mas meu coração de mãe não quer saber. Loucamente, desejaria poder evitar todo o seu sofrimento. Evitar todas as escolhas erradas que você fará. Todos os seus erros. Mas sei que não dá pra fazer isso, Miguel. Você vai errar, vai ter dificuldades, vai tropeçar e, muitas vezes, eu não estarei ao seu lado pra ser a primeira a lhe estender a mão. Sim, você vai sofrer. Minha cabeça entende e meu coração dói. 

Então, meu menino lindo, quero muito que você saiba que, de alguma maneira, em qualquer situação, eu estarei sempre com você. Eu serei a pessoa que nunca sairá do seu lado. Eu sempre estarei lá pra segurar a sua mão. Eu sempre estarei lá pra bancar a chata ou pra lhe aplaudir. Sempre. Quero que você tenha fé nisso, filho. Preciso continuar ensinando você a ter fé. Pra você entender que de toda situação complicada tira-se uma lição. E, aprendendo a ter fé, quero que tenha fé em mim. Fé que eu nunca vou lhe faltar enquanto viver. E eu, que acredito em outras vidas, quero lhe dizer que eu sempre estarei com você, mesmo depois que meu corpo se for. E viverei em você, viverei na sua fé em mim, no meu amor e em Deus.  

Hoje é seu aniversário e eu desejo que você seja você. Que o mundo permita que você se expresse. Que a vida permita que você sorria sem medo, que você se mostre, que você apareça. Desejo que, mesmo nas situações mais adversas, você tenha pernas pra seguir. E braços fortes pra lutar. Desejo que a vida que você começa a construir agora, permita que você mostre suas cores, todos os seus tons. E que seus olhos tenham o brilho das emoções verdadeiras. Desejo que você possa se posicionar perante as desilusões, que se permita chorar até não ter mais lágrimas e que ria até a barriga doer. Desejo que você saiba voltar atrás, que saiba perdoar e que encontre perdão. Desejo que você acredite no amor. Que se permita amar. Desejo que você acredite com todo o coração que o amor é a saída para todos os males do universo. Que o amor resume tudo, filho. É o início, o meio e o fim. 

E eu te amo. 

Sua mãe.




sexta-feira, 9 de maio de 2014

Amizade

Não sou pessoa de muito "mi-mi-mi". E isso quer dizer que se você entender como amigo alguém que liga pra você todo dia, que está sempre querendo saber da sua vida e que está sempre oferecendo algum tipo de ajuda, eu nunca serei seu amigo. E vou mais longe, sou capaz de não ligar no dia do aniversário do amigo! Se já era assim até quando adolescente, cheia de tempo sobrando, imagina agora, quando meu dia merecia ter umas 26 horas pra eu dar conta de tudo o que preciso fazer mais daquilo que desejo fazer.

O fato é que como não me incomodo se esquecem de ligar no meu aniversário, embora adore quando ligam, acabo achando que não vão se importar se eu ligar no dia seguinte à data ou dois dias depois dizendo que, sim, esqueci de ligar no dia do aniversário, mas que meus desejos de felicidade que estão sendo enviados 2 dias depois são verdadeiros. Mas nem todo mundo é assim, eu sei. E preciso compreender que algumas pessoas são como as plantinhas: precisam ser cuidadas com frequência. Mas, vou falar, é difícil pra mim.

Acho que amizade se mostra sem data marcada, sem dia específico. Amizade é quando ligo pra casa de um amigo sem me importar com a hora e ele vai me ouvir, independente do assunto. Amizade é quando posso falar que estou puta da vida por alguma coisa que o amigo fez ou deixou de fazer, com a certeza de que depois do "quebra pau" vamos ficar bem porque a gente se gosta demais e esse gostar vem na frente de tudo. Amizade é quando você entende que a vida das pessoas está cada vez mais corrida e, então, se não aconteceu um telefonema pra lhe dizer que o fulano quebrou o braço ou ciclano foi transferido pra outro estado, é porque isso não muda em nada o que há de importante nessa amizade. Amizade é você conseguir conversar com seu amigo angustiado por uma hora com seu filho andando atrás de você, puxando sua camiseta de 5 em 5 minutos lhe pedindo todo o tipo de brinquedo ou comida.

Não raro fico sem falar semanas com amigos e é preciso rolar um: "peraí, da última vez que nos falamos, você me contou até aqui. Faz uma retrospectiva aí nessa história pra me situar" e daí vamos pra frente que atrás vem gente! Por essas e outras é que alguns dos meus amigos dizem que tenho um jeito "meio macho" de ser, mas uma coisa é certa: quando ligo pra alguém ou mando mensagem ou sinal de fumaça, é porque estou com saudades verdadeiramente. Não ligo pra constar ou pra marcar presença. Não sei fazer número. E com esses amigos, mesmo depois de não nos falarmos por um "longo e tenebroso inverno" a conversa fica sempre leve e gostosa, como se estivéssemos estado juntos ontem. Porque amizade pra mim tem que ter leveza. Cobrança não combina com amizade adulta, vamos e venhamos. 

Então, quero agradecer meus amigos por me entenderem. Até porque os que não me entenderam já não estão entre aqueles considerados amigos. E eu até compreendo os que "vazaram", sabe? Ninguém é obrigado a entender e aturar esse meu jeito meio desleixado de cativar - ou seria não cativar? - amizades. Sou muito grata aos amigos que tenho, muito mesmo. Por mais que não conversemos o tanto que gostaríamos sobre nossas mazelas, vitórias, medos e angústias, estamos sempre lá um pelo outro. Sempre lá quando há um pedido de ajuda. Ou uma vontade de rir juntos. 

Eu, muitas vezes, me sinto culpada porque meus amigos merecem muito mais atenção do que recebem. Mas nessa nossa dinâmica de vida, acho que já nos acostumamos com nossa amizade assim. Pelo menos, acho que eles me aceitam desse jeito e, acima de tudo, sabem que podem contar comigo. E, hoje,  tive a certeza de que amigo de verdade não se importa com esse meu jeito largado de ser. Eles sabem que não é descaso, sabem que são importantes pra mim e respeitam meu modo de ser. Hoje à tarde, depois de conversar mais longamente com minha amiga de mais de 20 anos, a Cris, com quem nos últimos meses só vinha falando rapidamente coisas do tipo: "como você está? E o trabalho? E o filho? Então, tá, tenho que desligar porque estou enrolada no trabalho...",  recebo essa mensagem dela:

"ANA, DEUS ESCREVE CERTO POR LINHAS TORTAS. SEMPRE ACREDITEI NISSO E EM OUTRAS COISAS TIPO: NÃO PRECISAMOS ESTAR PERTO PARA ACREDITARMOS NA VERDADEIRA AMIZADE. VEJA SÓ...FIQUEI PENSANDO EM CONVERSAR COM VOCÊ DESDE DOMINGO E DE REPENTE VOCÊ ME LIGOU E DISSE PALAVRAS QUE EU PRECISA OUVIR NESSE MOMENTO E OUTRAS QUE EU SEMPRE TIVE DENTRO DO MEU CORAÇÃO E QUE FORAM REPETIDAS POR VOCÊ HOJE. REALMENTE OS VALORES EM NOSSAS VIDAS SÃO SEMPRE OS MESMOS MAS AS VEZES TEMOS QUE MUDAR DE RUMO FACE A CADA FASE QUE VIVEMOS. SOU MUITO FELIZ POR TER O MARCOS E O JOÃO. COM CERTEZA ISSO JÁ FAZ A GRANDE DIFERENÇA. OBRIGADA POR SUA AMIZADE. BJS"

Tem como não se emocionar? Não ficar feliz? Tem como não agradecer por esses amigos loucos que me amam e são gratos por minha existência mesmo que eu seja do jeito que sou? Uma coisa é certa: cada um desses amigos é muito importante pra mim. E pra eles digo que estou aqui. Sempre no mesmo lugar. E que embora não pareça, sou capaz de largar tudo e ir atrás deles, onde quer que estejam, se precisarem de colo. A vida não tem graça sem amor. E amizade é amor. 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

O surto do MM



Existem mães que não deixam passar nada, mães que fingem que não vêem pra não ter que se aborrecer. Tem mães que batem. Outras que colocam de castigo. Existem mães que conversam calmamente, sem nunca se abalar ou dar um gritinho. Tem as mães que brigam por tudo. E tem as mães que surtam de vez em quando. Eu sou a mãe que tem surtos.

Não bato no meu filho, não sou de brigar o tempo todo e tento levar na conversa a maioria das situações, mas tenho que confessar que sou chegada à surtos. Desses terríveis pra quem assiste. Surtos nos quais me vejo louca, gritando desesperadamente, sendo ouvida no raio de 2 quilômetros e acabando descabelada, afônica, com a garganta arranhando de tanto berrar, suada e amassada. Os motivos que desencadeiam esse processo de insanidade normalmente são os mais idiotas possíveis, a maior parte das vezes quando estou pressionada pelo relógio ou de saco de cheio de falar mil vezes a mesma coisa. 


Ontem tive um surto. É claro, na hora do almoço, na correria de arrumar o Miguel pra levar pra escola. Que falta que a Taninha me faz! Taninha está de licença maternidade e era ela quem dava comida e banho no Miguel. Quando eu chegava, era só arrumar a merenda, colocar na mochila e pronto. Agora é muito mais trabalhoso, a começar pelo fato de ter que sair mais cedo do trabalho pra poder dar tempo de dar comida, banho e levar pra escola. Então, voltando ao assunto, ontem coloquei a comida do Miguel no prato e fui atrás dele no quarto. Ao me aproximar, vi que havia 2 mms do chão do corredor. Abaixei-me pra catar esses mms perdidos e... surpresa!!! Ao olhar pro quarto do moleque, tive a visão do inferno! O chão do quarto coberto de mms, muitos e muitos, em todos os lugares! Já enlouquecendo, me sentindo ficar verde e com as roupas rasgadas como Hulk, perguntei o que havia acontecido e eis que recebo a resposta simples e direta do meu filho, como se fosse a coisa mais natural do mundo de se dizer:

- Eu joguei no chão.


Oi??

Nessa hora, já tinha virado Hulk totalmente e a vontade que tive foi avançar em cima do meu filho. Como não avancei pra lhe dar umas porradas, comecei a gritar:

- CATE ESSES MMS AGORAAAAA!! RÁPIDOOOO!!! VOCÊ ESTÁ PENSANDO QUE SOU SUA ESCRAVA? ACHA CERTO DESPERDIÇAR COMIDA COM TANTA GENTE SEM TER O QUE COMER? ACHA CERTO DIFICULTAR O TRABALHO DE QUEM LIMPA SEU QUARTO TODOS OS DIAS?

A gritaria continuava sem ter previsão de fim. E nisso Miguel já se abaixou sem dizer uma única palavra e começou a catar os mms. Eu estava com o prato de comida na mão e deixei-o em cima da bancada. Comecei a jogar os brinquedos dele nas paredes. Quando me cansei de jogar objetos aqui e ali, peguei o prato do almoço e comecei a enfiar a comida na boca do meu filho que nada fazia (acho que estava apavorado), só abria a boca e comia. Minha mãe veio ver o que estava acontecendo e eu continuei berrando:

- O QUE ESTÁ ACONTECENDO? ACONTECE QUE O MIGUEL NÃO AJUDA EM NADA, AO CONTRÁRIO O QUE PODE FAZER PRA ATRAPALHAR, ELE FAZ!! ISSO NÃO É JUSTO! SAIO DO TRABALHO CORRENDO, PRA DAR COMIDA E BANHO! TENHO QUE TIRAR TODA A MINHA ROUPA DO TRABALHO PRA DAR BANHO NELE SE NÃO FICO TODA MOLHADA!! DEPOIS VISTO A ROUPA DE NOVO PRA LEVAR ESSE GAROTO PRA ESCOLA E ELE AINDA ESPALHA MM PELO QUARTO A TROCO DE NADAAAAAAAAA!!!! SÓ PODE ESTAR QUERENDO ME ENLOUQUECER! F%@DER COM MEU JUÍZO!!

Minha mãe disse que ia pegar uma vassoura pra ajudar a juntar os mms e eu berrei:

- NÃO VAI PEGAR VASSOURA NENHUMA!!! ELE VAI CATAR TUDO, UM POR UM. E DA PRÓXIMA VEZ VOU FAZER VOCÊ CATAR OS MMS COM A LINGUA, ESTÁ ME OUVINDO??? (que coisa mais insana pra se dizer né?)

E continuei a disparar os gritos envolvida em minha própria loucura:

- E HOJE NÃO VOU TE LEVAR ATÉ A PORTA DA SUA SALA DE AULA! ABRE ESSA BOCA PRA COMER!! (e enfiei mais uma colherada de comida na boca do meu filho) VOU LHE DEIXAR NA PORTA DA ESCOLA E VOCÊ VAI SUBIR TUDO SOZINHOOOOOO!!! NÃO TE LEVO ATÉ LÁ EM CIMA MESMO! HAHAHAAAAA EU NÃO SOU PALHAÇA!! VOCÊ NÃO SABE FAZER M*RDA SOZINHO? ENTÃO TAMBÉM SABE CHEGAR ATÉ A SUA SALA DE AULA SEM MIM!! ACABOU DE JUNTAR OS MMS? PRO BANHO!

Miguel tirou sua roupa sozinho e nem jogou no chão como sempre faz, o que me força a, invariavelmente, mandá-lo colocar a roupa no cesto de roupas sujas. Gente, isso cansa. Essa coisa repetitiva, essa coisa de falar todo dia a mesma coisa, sabe? E, então, depois de pelado, Miguel, que sempre reclama ou que a água está quente, ou está fria ou está morna, enfim, ele sempre quer reclamar de alguma coisa porque nunca quer tomar banho, se enfiou debaixo da água fria e não disse nem um "ai". A única coisa que me falou foi:

- Hoje vou sozinho, né? Você não vai me levar até a porta da sala de aula... Entendi. Mas como vou abrir o portão verde? Eu não alcanço na campainha pro Getúlio abrir a porta...

Quer dizer, o engraçadinho não estava nem se doendo pelo fato de ir sozinho, ele já estava matutando as implicações práticas na vida dele da minha decisão. Tipo: "é isso que temos pra hoje? Então, vamos lá. Vamos descascar esse abacaxi". Esperto esse meu filho, né? Bem prático, também. Eu disse a ele que eu abriria o portão e que de lá ele seguiria só. Miguel vestiu-se, escovou os dentes e fomos para o carro. Dentro do carro, já mais calma, afinal, ninguém aguenta um surto desses por muito tempo, eu me sentia exaurida naquele momento, perguntei se ele tinha entendido a razão de eu ter brigado com ele. Ele disse que, sim, havia entendido e que eu estava certa. Falei que ele me devia um pedido de desculpas porque quando fazemos algo errado, devemos nos desculpar. Quando estacionei o carro próximo a escola, ele me pediu desculpas e me abraçou. Fizemos as pazes e ficou tudo bem. Beleza. 

Começamos a caminhar de mãos dadas até a porta da escola e eu perguntei, idiotamente, porque já estava com meu coração apertado de deixá-lo sozinho pra entrar na escola:

- Filho, já está tudo certo... Você quer que a mamãe lhe leve até a porta da sala de aula?

E Miguel, muito seguro, sem pensar duas vezes, me respondeu:

- Não, mãe. Só quero que você abra o portão verde. 

Aposto que eu fiquei com cara de idiota. Não falei mais nada porque não tinha o que dizer. Eu disse ao Miguel que não o levaria e ele "cagou na minha cabeça" quando resolvi voltar atrás. Aff...

Na porta da  escola, Miguel me deu beijo, me abraçou, disse que me ama. Pegou sua mochila e foi. Não olhou pra trás nem uma horinha se quer. Passadas seguras, firme em sua decisão. E eu lá, olhando, feito abobada. 

Bom, como tudo na vida , há sempre o lado bom, até nos surtos desesperados de uma mãe histérica. Hoje, Miguel, novamente, não quis minha companhia pra entrar na escola. Foi sozinho mais uma vez. E isso é muito bom. Já estava na hora mesmo. Agora o mais engraçado foi que, quando cheguei do trabalho na hora do almoço e o chamei pra tomar banho, ele veio com um tubinho de mm na mão e me chamou:

- Manhêê... Olha aqui! 

E me mostrou o potinho de mm aberto, fingindo que ia jogar tudo no chão, com aquela cara de safado, rindo com o canto da boca como quem pensa: "Agora a mamãe vai surtar de novo!" Eu falei pra ele:

- Você não está pensando em jogar isso no chão, está? 

E o sacana do meu filho, responde rindo:

- Calma, mamãe... Respira!!!! Eu não vou jogar nunca mais mm no chão!! Não de propósito, né? E soltou uma gargalhada. 

Quem aguenta? 




Brasil

Peço permissão a Renan Scheidegger para colocar seu texto aqui. Está muito difícil viver em um país com tantas desigualdades e com tanta permissividade. Um lugar onde os valores são trocados. Onde o certo parece sempre ser o otário da vez. Onde o errado ganha benefícios por ter errado, coitadinho. Sinto uma revolta grande, um sentimento de impotência diante de tanta imbecilidade. Parabéns a você, Renan, pelo belo texto! 


"Sou médico, tenho apenas 1 ano de formado e, por mais estranho ou ridículo que isso possa soar aos seus ouvidos, eu estou provavelmente passando por uma crise profissional. Mas tudo bem, isso também soa ridículo aos meus ouvidos.

Se hoje eu pudesse dar um conselho a quem está prestando vestibular para medicina, eu aconselharia que desistisse enquanto há tempo. A não ser que esteja disposto a levar uma vida de sacrifícios sem resultados e decepções diárias. Ser médico no Brasil não compensa. Ser médico no Brasil não é para qualquer um.

Trabalho em um posto de saúde na periferia da capital paulista, onde todos pensam haver os melhores recursos. Possuímos apenas 6 consultórios médicos (minúsculos, diga-se de passagem), mas somos responsáveis por aproximadamente 37 mil pessoas. Eu, como médico do Programa de Saúde da Família, tenho que prestar assistência a aproximadamente 4 mil pessoas (cerca de mil famílias). 
Faço atendimentos de clínica geral, pediatria, ginecologia e também realizo consultas de pré-natal. Mas o meu trabalho não se restringe apenas a consultas. O Ministério da Saúde determina que além de consultas, eu organize e execute ações educativas para a população, e ainda garanta consultas domiciliares àqueles pacientes que não podem se locomover até o posto de saúde. 
Mas como realizar um trabalho de qualidade quando não se tem estrutura para isso?

Comecei a trabalhar nessa unidade de saúde em março do ano passado e desde então vinha solicitando à administração alguns materiais básicos, como balança, balança pediátrica e régua antropométrica (aquela régua de madeira para medir o comprimento dos bebês). Após alguns longos meses de espera, enfiaram no meu consultório uma balança analógica (nova, tenho que dar o braço a torcer – e, sim, funcionava!), uma balança pediátrica enferrujada e uma régua antropométrica encardida com as marcações numéricas já bem apagadinhas.
Certa vez questionei à administração sobre a viatura da prefeitura que faria o transporte dos profissionais até a casa dos pacientes, uma vez que nem todos moram próximo ao posto de saúde; o que ouvi foram gargalhadas bem na minha cara e fui informado que deveria realizar as visitas domiciliares a pé ou usando o meu próprio carro. E é o que faço há pouco mais de 1 ano; vou às casas dos pacientes a pé mesmo... Ou vou com o meu próprio carro e o deixo estacionado lá, em uma área de risco, onde há tráfico de drogas e eventuais tiroteios, porque, é claro, a segurança nesse país também é uma fraude.

Uma vez, em um determinado mês no ano passado eu não cumpri as metas de visitas domiciliares e consultas exigidas pelo Ministério da Saúde, e fui duramente cobrado por isso. Argumentei com a administração, já que naquele mês eu havia sido convocado para muitas reuniões durante o expediente. Além disso, argumentei dizendo que é impossível prestar uma assistência minimamente decente e de qualidade com consultas de 15 minutos de duração, como é determinado; fora o fato de que é exigido que se faça, em média, visitas a 6 casas para avaliação geral de todos os membros da família em um período de 3 horas. Não existe qualidade nisso. A resposta que obtive foi “Não estamos falando de qualidade. Estamos falando de meta, estamos falando de números. Cumpra a meta.”

Essa demanda, não vem só por parte da administração. Essa cobrança vem também dos pacientes, que não conseguem entender que nós, funcionários desse sistema falido, somos tão vítimas do descaso quanto eles. Não há infraestrutura, não há funcionários suficientes e consequentemente não há consultas suficientes.
Já tive a porta do meu consultório chutada, já tive o meu consultório invadido por pacientes que não conseguiram vaga de consulta, já colocaram o dedo na minha cara, já tentaram me agredir, já fui chamado de preguiçoso, vagabundo, imprestável, filho da p*ta e tudo mais... E, sim, já fui ameaçado.

Eu estou cansado desse sistema falido. Cansado de acordar cedo, atender 33 pacientes em um único dia e ainda ouvir que se a população está desassistida, a culpa é minha. Cansado de ser fantoche propagandista desse governo imundo.

Ouvir a senhora Dilma Rousseff (que não teria competência para ser presidente sequer de uma associação de moradores), dizer hipocritamente que os médicos cubanos (coitados trazidos ao país sob um sistema de semi-escravidão em um golpe de maketing eleitoreiro) são mais atenciosos que os médicos brasileiros me enoja. Ao que me consta, ela não tratou o seu linfoma com um médico cubano ou em um hospital sucateado do SUS, mas no Hospital Sírio-Libanês com ótimos médicos brasileiros, os melhores especialistas desse país.

O Bolsa-família, sistema de compra de votos disfarçado de programa social vai receber aumento de 10% este ano, curiosamente no ano de eleições, onde a senhora Dilma se candidata à reeleição. E ironicamente essa notícia foi dada por nossa nada excelentíssima justamente no dia do trabalhador, ou seja, quem não trabalha vai receber aumento de salário no dia do trabalhador. Mas tudo bem, como ela mesma diz, estamos trazendo 36 milhões de brasileiros para cima da linha de pobreza extrema, diminuindo o índice de pobreza em 70% dentro de 11 anos e superando a meta da ONU. Tá ótimo! Educação e saúde de qualidade para quê? Batemos a meta e é isso que importa.

E o Bolsa-recomeço? Iniciativa bonita desse governo tão solidário, não fosse um tiro no pé, assumindo sua incompetência em garantir reabilitação aos dependentes químicos. Então o jeito que encontraram foi pagar reabilitação aos usuários de crack em clínicas de reabilitação privadas, a um valor mensal de 1.350 reais... E os meus agentes de saúde trabalhando arduamente para receber a metade disso no final do mês.

Melhor ainda é o Auxilio-reclusão, onde a família de um detento recebe 682 reais por mês. Já ouvi pacientes falando que acham até bom os maridos estarem presos, porque recebem uma grana todo mês.

Então basicamente aqui, funciona assim:
Tem uma penca de filhos e não quer trabalhar? Tudo bem, nós garantimos o seu sustento, pois temos dinheiro para isso.
Se viciou em drogas e quer se recuperar? Bom, nós não temos competência para isso, mas temos dinheiro, então pagamos quem tem competência para fazer isso por nós.
Cometeu crime e foi preso? Tudo bem, essas coisas acontecem. A gente garante o sustento da sua família. Não se preocupe, também temos dinheiro pra isso.
Quer ser um sujeito decente e ganhar dinheiro honestamente? Bom... Aí... Aí a gente faz assim: você vem, obedece as nossas regras direitinho e tem que trabalhar bastante para receber o salário. Mas a gente desconta uma porcentagem da sua grana todo mês, viu? Porque afinal de contas a gente tem todos esses programas sociais pra dar conta e alguém tem que financiar isso, né? Ah! E tem que cumprir as metas, viu?! Se não a gente briga... E não garantimos infraestrutura ou qualquer condição de trabalho, porque a gente não gasta dinheiro com essas futilidades... E no início do ano tem o Imposto de Renda... Ah! E de vez em quando a dona Dilma vai na TV falar mal de vocês.

Não está fácil... Me sinto como se precisasse apagar um incêndio tendo apenas minha boca, um pouco de saliva e umas cuspidinhas fracas.
Mas tudo bem, daqui a 1 mês tem Copa do Mundo. O Brasil é lindo, Deus é brasileiro e já já a gente esquece tudo isso, né?"

quarta-feira, 7 de maio de 2014

O mundo por seu beijo



Camila era simpática, feliz, encantadora. Dessas criaturas que iluminam o ambiente, que enchem o ar com uma gargalhada alta e gostosa. Inteligente, dedicada aos estudos, vivia cercada de livros. Como se não bastasse, era linda. Por mais contraditório que possa parecer, apesar da presença marcante e de ser tão viva e alegre, os amigos tinham dificuldade pra tirar Camila de casa. Ela poderia passar dias e dias lendo seus romances e escutando música. Gostava de gente, mas também gostava do silêncio. 

Talvez essa calma, essa tranquilidade, e até mesmo essa confiança nela mesma é que a tornasse tão atraente. Camila não se importava em estar com ou sem um namorado. Não fazia força pra conquistar ninguém. Tinha um ar de displicência com relação a relacionamentos, do tipo que pensa "se rolar, rolou". Sem força, sem empenho, com 20 anos nunca tinha tido a experiência de conquistar alguém. De querer alguém com tanta força que chega a doer. Namorados chegavam e iam embora na hora que decidia. Não fazia de propósito. Simplesmente se desinteressava e achava melhor estar só. 

Foi assim até o dia daquele casamento de pessoas que nunca tinha visto. Patricia, amiga de Camila desde a escola, tinha terminado um namoro longo e não queria ir sozinha ao casamento de uma amiga do trabalho. Já tinha implorado que Camila fosse com ela, que lhe fizesse companhia. Camila achava muita cara de pau chegar na festa de casamento de pessoas que não conhecia, assim, sem mais nem menos. Mas Patricia dizia que precisava sair de casa, se divertir e que Camila tinha que "quebrar esse galho". Como dizer não? À contra gosto, Camila escolheu um vestido preto simples que deixava seus ombros à mostra. Não quis prender seus cabelos compridos, cheios e louros. Usou pouca maquiagem, mas colocou um batom vermelho. 

A festa estava animada, cheia. Nenhum conhecido. Patricia conhecia várias pessoas já que muitas trabalhavam com ela na empresa onde fazia estágio. E, inevitavelmente, Camila acabou ficando sozinha quase o tempo todo. Sentada em uma das mesas, podia observar tudo. Sentia-se feliz pela felicidade dos noivos e pensou que, definitivamente, o dia de um casamento era um dia inesquecível. Observava que muitos homens a olhavam, a amiga a apresentou a alguns rapazes, de quem se livrava em seguida. 

Camila levantou para ir ao banheiro. Foi até lá e retocou o batom pensando quanto tempo mais aguentaria ficar ali, sozinha. Respirou fundo e voltou pra festa. E aí, ela o viu. 

De onde tinha surgido aquele cara? Moreno, alto, olhos negros. Tinha os ombros largos e usava uma camisa clara, que fazia com que o tom de sua pele se destacasse. O cara parecia conhecer todo mundo, estava, definitivamente, entre amigos. Ia de uma mesa a outra, rindo, conversando. Camila não conseguia tirar os olhos dele. Era uma coisa muito inédita pra ela, um sentimento diferente de tudo o que havia sentido até então. Uma atração fora do normal. Sabia que a festa pra ela estava começando naquele instante. E que não sairia dali sem falar com ele. 

Da sua mesa, continuava olhando. Seguia-o com os olhos, não conseguia evitar. Ele estava sozinho, quer dizer, não estava com uma garota. E ela resolveu ficar de pé. Enchendo-se de coragem, começou a se movimentar ao ritmo da música discretamente, perto da sua mesa. A vontade de ser notada por aquele homem era maior que a inibição por estar sozinha. De longe, Patricia acenou pra ela e deu um sorrisinho como quem pede desculpas por deixá-la sem companhia. Camila queria falar com a amiga, perguntar se conhecia aquele moreno, mas a amiga não se aproximava. 

Camila insistia em olhar pra ele. Tanto que sabia que outros rapazes que estavam perto do "seu" moreno, já haviam reparado. E Camila viu quando um dos amigos dele falou alguma coisa em seu ouvido e, em seguida, os olhos do moreno pousaram nela. Ele a olhou e riu. Um sorriso sacana, aberto, de quem acabou de descobrir que alguém não tirava os olhos dele. Camila sentiu o rosto pegar fogo quando seus olhos encontraram os dele. E mesmo que tenha ficado um pouco tímida com o olhar dele e com o sorriso que ele lhe deu, não conseguia para de olhar. 

Ela pensou que, agora que tinha sido notada, seria questão de tempo que o rapaz viesse conversar com ela. Só que não foi assim que aconteceu. Durante toda a hora seguinte e a outra, ela o via conversando com um horror de gente. Vira e mexe, olhava pra ela e sempre, invariavelmente, encontrava Camila no mesmo lugar, ao lado da mesa, olhando pra ele. E, minuto a minuto, a tortura parecia interminável, Camila sentia-se equivocada, sem entender porque diabos aquele homem que já tinha percebido seu interesse nele, não vinha. Pensou que devia ter escolhido melhor o vestido, que devia ter caprichado na maquiagem e que talvez esse batom vermelho não a estivesse favorecendo. Sentiu-se insegura. Queria aquele cara. Queria sentir o cheiro dele. Queria as mãos dele nela. 

Desde que colocou os olhos nele, seu estômago doía, sua pele arrepiava e já começava a se sentir triste porque a festa estava acabando. Sua amiga Patricia estava agarrada com um cara em um dos cantos do salão e ela teria que avisá-la que estava indo embora. A sensação de não ter conversado com aquele homem, não saber seu nome, não saber nada sobre ele mesmo quando tinha passado as últimas 3 horas da sua vida observando seu jeito, imaginando o som da sua voz, era terrível. Ela iria embora, não conseguia mais aguentar cada vez que ele a olhava, sorria e recomeçava sua conversa com alguém. Ou mudava de lugar no salão. Seria mesmo melhor voltar pra casa e fingir que nunca tinha visto aqueles olhos negros. 

Camila, em um esforço enorme pra tirar os olhos dele, pensou que já era o bastante. Pegou sua carteira, abriu e tirou as chaves do carro lá de dentro. Inconscientemente, ela deu o sinal que ele precisava. Ou que ela achava que ele precisava. Mostrou a ele, uma vez que estava com as chaves do carro na mão, que seria seu último segundo pra se aproximar dela. Ele não se moveu. Camila olhou pra ele pela última vez e pensou que não se podia ganhar todas mesmo. Foi até Patricia avisá-la que estava indo pra casa já que ela provavelmente já tinha carona. Depois, rumou na direção da escada que levava a área externa onde ficava o estacionamento. Andando devagar, como se parte dela quisesse ficar ou estivesse esperando um milagre, chegou até seu carro e apertou o botão pra abrir a porta. 

E aí, quando colocou a mão na maçaneta da porta, sentiu a mão dele na sua. Não tinha olhado pra ele, ela estava de costas pro homem que agora sentia estar atrás dela, mas sabia que era ele. Teve certeza no momento que sentiu o calor da sua mão. Ele a virou com firmeza pra ele, sabendo que ela já era sua. Pressionou seu corpo contra o carro e Camila não conseguia falar nada. E nem conseguia respirar. Ela olhou pra ele de perto pela primeira vez, estava dentro daqueles olhos, afogada neles. E ele nada perguntou, nem nome, nem endereço. Eram só olhos e o barulho da música da festa ao longe. Ele se apoderou dela, subindo suas mãos por seus braços sem tirar os olhos dele dos olhos de Camila. O mundo tinha parado e Camila não tinha ar. Passeando suas mãos grandes de leve pelo pescoço dela, levantou seus cabelos longos e apertou sua nuca com as duas mãos. E nesse momento ela soube que não teria forças pra dar um passo que fosse pra longe dali. Ela quis isso a noite inteira. Ela quis isso desde sempre, sem saber.

E ele a beijou.