Existem mães que não deixam passar nada, mães que fingem que não vêem pra não ter que se aborrecer. Tem mães que batem. Outras que colocam de castigo. Existem mães que conversam calmamente, sem nunca se abalar ou dar um gritinho. Tem as mães que brigam por tudo. E tem as mães que surtam de vez em quando. Eu sou a mãe que tem surtos.
Não bato no meu filho, não sou de brigar o tempo todo e tento levar na conversa a maioria das situações, mas tenho que confessar que sou chegada à surtos. Desses terríveis pra quem assiste. Surtos nos quais me vejo louca, gritando desesperadamente, sendo ouvida no raio de 2 quilômetros e acabando descabelada, afônica, com a garganta arranhando de tanto berrar, suada e amassada. Os motivos que desencadeiam esse processo de insanidade normalmente são os mais idiotas possíveis, a maior parte das vezes quando estou pressionada pelo relógio ou de saco de cheio de falar mil vezes a mesma coisa.
Ontem tive um surto. É claro, na hora do almoço, na correria de arrumar o Miguel pra levar pra escola. Que falta que a Taninha me faz! Taninha está de licença maternidade e era ela quem dava comida e banho no Miguel. Quando eu chegava, era só arrumar a merenda, colocar na mochila e pronto. Agora é muito mais trabalhoso, a começar pelo fato de ter que sair mais cedo do trabalho pra poder dar tempo de dar comida, banho e levar pra escola. Então, voltando ao assunto, ontem coloquei a comida do Miguel no prato e fui atrás dele no quarto. Ao me aproximar, vi que havia 2 mms do chão do corredor. Abaixei-me pra catar esses mms perdidos e... surpresa!!! Ao olhar pro quarto do moleque, tive a visão do inferno! O chão do quarto coberto de mms, muitos e muitos, em todos os lugares! Já enlouquecendo, me sentindo ficar verde e com as roupas rasgadas como Hulk, perguntei o que havia acontecido e eis que recebo a resposta simples e direta do meu filho, como se fosse a coisa mais natural do mundo de se dizer:
- Eu joguei no chão.
Oi??
Nessa hora, já tinha virado Hulk totalmente e a vontade que tive foi avançar em cima do meu filho. Como não avancei pra lhe dar umas porradas, comecei a gritar:
- CATE ESSES MMS AGORAAAAA!! RÁPIDOOOO!!! VOCÊ ESTÁ PENSANDO QUE SOU SUA ESCRAVA? ACHA CERTO DESPERDIÇAR COMIDA COM TANTA GENTE SEM TER O QUE COMER? ACHA CERTO DIFICULTAR O TRABALHO DE QUEM LIMPA SEU QUARTO TODOS OS DIAS?
A gritaria continuava sem ter previsão de fim. E nisso Miguel já se abaixou sem dizer uma única palavra e começou a catar os mms. Eu estava com o prato de comida na mão e deixei-o em cima da bancada. Comecei a jogar os brinquedos dele nas paredes. Quando me cansei de jogar objetos aqui e ali, peguei o prato do almoço e comecei a enfiar a comida na boca do meu filho que nada fazia (acho que estava apavorado), só abria a boca e comia. Minha mãe veio ver o que estava acontecendo e eu continuei berrando:
- O QUE ESTÁ ACONTECENDO? ACONTECE QUE O MIGUEL NÃO AJUDA EM NADA, AO CONTRÁRIO O QUE PODE FAZER PRA ATRAPALHAR, ELE FAZ!! ISSO NÃO É JUSTO! SAIO DO TRABALHO CORRENDO, PRA DAR COMIDA E BANHO! TENHO QUE TIRAR TODA A MINHA ROUPA DO TRABALHO PRA DAR BANHO NELE SE NÃO FICO TODA MOLHADA!! DEPOIS VISTO A ROUPA DE NOVO PRA LEVAR ESSE GAROTO PRA ESCOLA E ELE AINDA ESPALHA MM PELO QUARTO A TROCO DE NADAAAAAAAAA!!!! SÓ PODE ESTAR QUERENDO ME ENLOUQUECER! F%@DER COM MEU JUÍZO!!
Minha mãe disse que ia pegar uma vassoura pra ajudar a juntar os mms e eu berrei:
- NÃO VAI PEGAR VASSOURA NENHUMA!!! ELE VAI CATAR TUDO, UM POR UM. E DA PRÓXIMA VEZ VOU FAZER VOCÊ CATAR OS MMS COM A LINGUA, ESTÁ ME OUVINDO??? (que coisa mais insana pra se dizer né?)
E continuei a disparar os gritos envolvida em minha própria loucura:
- E HOJE NÃO VOU TE LEVAR ATÉ A PORTA DA SUA SALA DE AULA! ABRE ESSA BOCA PRA COMER!! (e enfiei mais uma colherada de comida na boca do meu filho) VOU LHE DEIXAR NA PORTA DA ESCOLA E VOCÊ VAI SUBIR TUDO SOZINHOOOOOO!!! NÃO TE LEVO ATÉ LÁ EM CIMA MESMO! HAHAHAAAAA EU NÃO SOU PALHAÇA!! VOCÊ NÃO SABE FAZER M*RDA SOZINHO? ENTÃO TAMBÉM SABE CHEGAR ATÉ A SUA SALA DE AULA SEM MIM!! ACABOU DE JUNTAR OS MMS? PRO BANHO!
Miguel tirou sua roupa sozinho e nem jogou no chão como sempre faz, o que me força a, invariavelmente, mandá-lo colocar a roupa no cesto de roupas sujas. Gente, isso cansa. Essa coisa repetitiva, essa coisa de falar todo dia a mesma coisa, sabe? E, então, depois de pelado, Miguel, que sempre reclama ou que a água está quente, ou está fria ou está morna, enfim, ele sempre quer reclamar de alguma coisa porque nunca quer tomar banho, se enfiou debaixo da água fria e não disse nem um "ai". A única coisa que me falou foi:
- Hoje vou sozinho, né? Você não vai me levar até a porta da sala de aula... Entendi. Mas como vou abrir o portão verde? Eu não alcanço na campainha pro Getúlio abrir a porta...
Quer dizer, o engraçadinho não estava nem se doendo pelo fato de ir sozinho, ele já estava matutando as implicações práticas na vida dele da minha decisão. Tipo: "é isso que temos pra hoje? Então, vamos lá. Vamos descascar esse abacaxi". Esperto esse meu filho, né? Bem prático, também. Eu disse a ele que eu abriria o portão e que de lá ele seguiria só. Miguel vestiu-se, escovou os dentes e fomos para o carro. Dentro do carro, já mais calma, afinal, ninguém aguenta um surto desses por muito tempo, eu me sentia exaurida naquele momento, perguntei se ele tinha entendido a razão de eu ter brigado com ele. Ele disse que, sim, havia entendido e que eu estava certa. Falei que ele me devia um pedido de desculpas porque quando fazemos algo errado, devemos nos desculpar. Quando estacionei o carro próximo a escola, ele me pediu desculpas e me abraçou. Fizemos as pazes e ficou tudo bem. Beleza.
Começamos a caminhar de mãos dadas até a porta da escola e eu perguntei, idiotamente, porque já estava com meu coração apertado de deixá-lo sozinho pra entrar na escola:
- Filho, já está tudo certo... Você quer que a mamãe lhe leve até a porta da sala de aula?
E Miguel, muito seguro, sem pensar duas vezes, me respondeu:
- Não, mãe. Só quero que você abra o portão verde.
Aposto que eu fiquei com cara de idiota. Não falei mais nada porque não tinha o que dizer. Eu disse ao Miguel que não o levaria e ele "cagou na minha cabeça" quando resolvi voltar atrás. Aff...
Na porta da escola, Miguel me deu beijo, me abraçou, disse que me ama. Pegou sua mochila e foi. Não olhou pra trás nem uma horinha se quer. Passadas seguras, firme em sua decisão. E eu lá, olhando, feito abobada.
Bom, como tudo na vida , há sempre o lado bom, até nos surtos desesperados de uma mãe histérica. Hoje, Miguel, novamente, não quis minha companhia pra entrar na escola. Foi sozinho mais uma vez. E isso é muito bom. Já estava na hora mesmo. Agora o mais engraçado foi que, quando cheguei do trabalho na hora do almoço e o chamei pra tomar banho, ele veio com um tubinho de mm na mão e me chamou:
- Manhêê... Olha aqui!
E me mostrou o potinho de mm aberto, fingindo que ia jogar tudo no chão, com aquela cara de safado, rindo com o canto da boca como quem pensa: "Agora a mamãe vai surtar de novo!" Eu falei pra ele:
- Você não está pensando em jogar isso no chão, está?
E o sacana do meu filho, responde rindo:
- Calma, mamãe... Respira!!!! Eu não vou jogar nunca mais mm no chão!! Não de propósito, né? E soltou uma gargalhada.
Quem aguenta?
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