quarta-feira, 7 de maio de 2014

O mundo por seu beijo



Camila era simpática, feliz, encantadora. Dessas criaturas que iluminam o ambiente, que enchem o ar com uma gargalhada alta e gostosa. Inteligente, dedicada aos estudos, vivia cercada de livros. Como se não bastasse, era linda. Por mais contraditório que possa parecer, apesar da presença marcante e de ser tão viva e alegre, os amigos tinham dificuldade pra tirar Camila de casa. Ela poderia passar dias e dias lendo seus romances e escutando música. Gostava de gente, mas também gostava do silêncio. 

Talvez essa calma, essa tranquilidade, e até mesmo essa confiança nela mesma é que a tornasse tão atraente. Camila não se importava em estar com ou sem um namorado. Não fazia força pra conquistar ninguém. Tinha um ar de displicência com relação a relacionamentos, do tipo que pensa "se rolar, rolou". Sem força, sem empenho, com 20 anos nunca tinha tido a experiência de conquistar alguém. De querer alguém com tanta força que chega a doer. Namorados chegavam e iam embora na hora que decidia. Não fazia de propósito. Simplesmente se desinteressava e achava melhor estar só. 

Foi assim até o dia daquele casamento de pessoas que nunca tinha visto. Patricia, amiga de Camila desde a escola, tinha terminado um namoro longo e não queria ir sozinha ao casamento de uma amiga do trabalho. Já tinha implorado que Camila fosse com ela, que lhe fizesse companhia. Camila achava muita cara de pau chegar na festa de casamento de pessoas que não conhecia, assim, sem mais nem menos. Mas Patricia dizia que precisava sair de casa, se divertir e que Camila tinha que "quebrar esse galho". Como dizer não? À contra gosto, Camila escolheu um vestido preto simples que deixava seus ombros à mostra. Não quis prender seus cabelos compridos, cheios e louros. Usou pouca maquiagem, mas colocou um batom vermelho. 

A festa estava animada, cheia. Nenhum conhecido. Patricia conhecia várias pessoas já que muitas trabalhavam com ela na empresa onde fazia estágio. E, inevitavelmente, Camila acabou ficando sozinha quase o tempo todo. Sentada em uma das mesas, podia observar tudo. Sentia-se feliz pela felicidade dos noivos e pensou que, definitivamente, o dia de um casamento era um dia inesquecível. Observava que muitos homens a olhavam, a amiga a apresentou a alguns rapazes, de quem se livrava em seguida. 

Camila levantou para ir ao banheiro. Foi até lá e retocou o batom pensando quanto tempo mais aguentaria ficar ali, sozinha. Respirou fundo e voltou pra festa. E aí, ela o viu. 

De onde tinha surgido aquele cara? Moreno, alto, olhos negros. Tinha os ombros largos e usava uma camisa clara, que fazia com que o tom de sua pele se destacasse. O cara parecia conhecer todo mundo, estava, definitivamente, entre amigos. Ia de uma mesa a outra, rindo, conversando. Camila não conseguia tirar os olhos dele. Era uma coisa muito inédita pra ela, um sentimento diferente de tudo o que havia sentido até então. Uma atração fora do normal. Sabia que a festa pra ela estava começando naquele instante. E que não sairia dali sem falar com ele. 

Da sua mesa, continuava olhando. Seguia-o com os olhos, não conseguia evitar. Ele estava sozinho, quer dizer, não estava com uma garota. E ela resolveu ficar de pé. Enchendo-se de coragem, começou a se movimentar ao ritmo da música discretamente, perto da sua mesa. A vontade de ser notada por aquele homem era maior que a inibição por estar sozinha. De longe, Patricia acenou pra ela e deu um sorrisinho como quem pede desculpas por deixá-la sem companhia. Camila queria falar com a amiga, perguntar se conhecia aquele moreno, mas a amiga não se aproximava. 

Camila insistia em olhar pra ele. Tanto que sabia que outros rapazes que estavam perto do "seu" moreno, já haviam reparado. E Camila viu quando um dos amigos dele falou alguma coisa em seu ouvido e, em seguida, os olhos do moreno pousaram nela. Ele a olhou e riu. Um sorriso sacana, aberto, de quem acabou de descobrir que alguém não tirava os olhos dele. Camila sentiu o rosto pegar fogo quando seus olhos encontraram os dele. E mesmo que tenha ficado um pouco tímida com o olhar dele e com o sorriso que ele lhe deu, não conseguia para de olhar. 

Ela pensou que, agora que tinha sido notada, seria questão de tempo que o rapaz viesse conversar com ela. Só que não foi assim que aconteceu. Durante toda a hora seguinte e a outra, ela o via conversando com um horror de gente. Vira e mexe, olhava pra ela e sempre, invariavelmente, encontrava Camila no mesmo lugar, ao lado da mesa, olhando pra ele. E, minuto a minuto, a tortura parecia interminável, Camila sentia-se equivocada, sem entender porque diabos aquele homem que já tinha percebido seu interesse nele, não vinha. Pensou que devia ter escolhido melhor o vestido, que devia ter caprichado na maquiagem e que talvez esse batom vermelho não a estivesse favorecendo. Sentiu-se insegura. Queria aquele cara. Queria sentir o cheiro dele. Queria as mãos dele nela. 

Desde que colocou os olhos nele, seu estômago doía, sua pele arrepiava e já começava a se sentir triste porque a festa estava acabando. Sua amiga Patricia estava agarrada com um cara em um dos cantos do salão e ela teria que avisá-la que estava indo embora. A sensação de não ter conversado com aquele homem, não saber seu nome, não saber nada sobre ele mesmo quando tinha passado as últimas 3 horas da sua vida observando seu jeito, imaginando o som da sua voz, era terrível. Ela iria embora, não conseguia mais aguentar cada vez que ele a olhava, sorria e recomeçava sua conversa com alguém. Ou mudava de lugar no salão. Seria mesmo melhor voltar pra casa e fingir que nunca tinha visto aqueles olhos negros. 

Camila, em um esforço enorme pra tirar os olhos dele, pensou que já era o bastante. Pegou sua carteira, abriu e tirou as chaves do carro lá de dentro. Inconscientemente, ela deu o sinal que ele precisava. Ou que ela achava que ele precisava. Mostrou a ele, uma vez que estava com as chaves do carro na mão, que seria seu último segundo pra se aproximar dela. Ele não se moveu. Camila olhou pra ele pela última vez e pensou que não se podia ganhar todas mesmo. Foi até Patricia avisá-la que estava indo pra casa já que ela provavelmente já tinha carona. Depois, rumou na direção da escada que levava a área externa onde ficava o estacionamento. Andando devagar, como se parte dela quisesse ficar ou estivesse esperando um milagre, chegou até seu carro e apertou o botão pra abrir a porta. 

E aí, quando colocou a mão na maçaneta da porta, sentiu a mão dele na sua. Não tinha olhado pra ele, ela estava de costas pro homem que agora sentia estar atrás dela, mas sabia que era ele. Teve certeza no momento que sentiu o calor da sua mão. Ele a virou com firmeza pra ele, sabendo que ela já era sua. Pressionou seu corpo contra o carro e Camila não conseguia falar nada. E nem conseguia respirar. Ela olhou pra ele de perto pela primeira vez, estava dentro daqueles olhos, afogada neles. E ele nada perguntou, nem nome, nem endereço. Eram só olhos e o barulho da música da festa ao longe. Ele se apoderou dela, subindo suas mãos por seus braços sem tirar os olhos dele dos olhos de Camila. O mundo tinha parado e Camila não tinha ar. Passeando suas mãos grandes de leve pelo pescoço dela, levantou seus cabelos longos e apertou sua nuca com as duas mãos. E nesse momento ela soube que não teria forças pra dar um passo que fosse pra longe dali. Ela quis isso a noite inteira. Ela quis isso desde sempre, sem saber.

E ele a beijou. 


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