sábado, 28 de novembro de 2015

Missão Cumprida, Liara!




No início desse ano eu sabia que teria pela frente um ano difícil pra mim. Ano de alfabetização do Miguel. Eu teria que lidar com minha ansiedade, com minhas expectativas, teria que equilibrar a vontade de ver meu filho progredir e a vontade de respeitar o seu tempo. Teria que entender que seria importante não me importar com o progresso de vizinhos, que se A já aprendeu a fazer isso ou aquilo, pouco importa porque o mais importante pra mim é como o Miguel está. Enfim, em fevereiro rezei muito pra que eu tivesse orientação e calma.

Fui atendida. Talvez não tenha tido a calma que achei que deveria ter em muitos momentos. Talvez tenha pressionado meu filho um pouco além do que pretendia. Mas tive ajuda pra respirar fundo quando achei que as coisas não dariam certo, tive amparo quando chorei achando que tinha feito escolhas erradas pro meu filho (Será que essa escola que eu tanto amo é a mais certa pra ele? Será que esse método de alfabetização vai funcionar com o meu filho? Será que não seria melhor um método mais tradicional? Será? Será?). 

A ajuda veio de vários lugares diferentes, de várias pessoas diferentes. O Namorado, sempre disposto a me escutar e a me resgatar de momentos de desespero quando achei que a coisa não ia dar certo. Minha mãe, por sempre me lembrar que essencial é ter calma. Minha irmã, por ser tão sincera e agressiva em suas convicções e, em sua agressividade, sempre me dizer se estou no meio de algum ataque de insanidade. Minha sogra, por me lembrar que Miguel é muito inteligente e que tudo se desenvolveria em seu tempo. Itallo, o Dido do Miguel, por cada abraço de confiança e amor dado no meu filho.Todos os meus amigos, por escutarem minhas histórias. E uma ajuda mais que especial e mais que bemvinda: a ajuda do anjo que Deus colocou pra alfabetizar meu filho e seus amigos. Uma ajuda chamada Liara. 

Eu realmente acredito que ser professor é pra poucos e bons. Ser professor não é profissão que se escolha, ser professor é chamado divino. E ser alfabetizador vai um pouco além. É como ser um herói. Sabe aquele herói dos filmes que aparece quando a pessoa está vivendo em um mundo escuro e sem muitas possibilidades e pega na mão dessa pessoa, a levanta - muitas vezes a carrega no colo - conduzindo-a pra um mundo colorido, cheio de luz, caminhos variados a serem escolhidos, estradas com um sem fim de flores e frutas? Esse herói é o professor da alfabetização. Que trabalho lindo, que vocação especial ... Quase magia. Deus colocou Liara pra ser essa heroína na minha vida, do Miguel e de todas as crianças da turma 18. Total admiração por essa mulher.

E não foi só isso. Liara sempre me escutou. Liara sempre esteve disposta a ouvir minhas dúvidas, meus medos. Muitas vezes cheguei na escola preocupada, despejei tudo em cima dela e saí de lá mais leve porque Liara acreditava no progresso do Miguel mais que eu mesma. Eu sei que alguns podem achar loucura eu dizer isso: que a professora acreditava mais no meu filho que eu. Mas é que tenho pavor de ser dessas mães iludidas, dessas que não sabem o filho que têm, dessas que batem do peito pra dizer "meu filho não mente", "meu filho não faz isso ou aquilo". Eu olho pro Miguel com um olhar crítico, procurando enxergar meu filho do jeito que ele é, sem as vendas que o amor muitas vezes coloca em nossos olhos. E a Liara nunca se desesperou ou se contaminou com minha desesperança. Ao contrário, sempre me ouviu e encorajou a continuar ao lado dele, incentivando de todas as maneiras possíveis. É óbvio que nunca nem passou pela minha cabeça desistir, porque se tem algo que procuro ensinar ao meu menino é a ser perseverante na busca de seus objetivos. E também porque sou mãe e mãe tem amor inesgotável, mãe nunca desiste de um filho. Mas nunca terei como agradecer a força e apoio que sempre recebi dessa professora quase mágica que Deus colocou no caminho do Miguel.

Eu amo meu filho do jeito que ele é. Sabendo que é adorável, charmoso, sedutor, alegre, engraçado, carinhoso, espirituoso, sagaz, sensível com uma inteligência emocional que poucas vezes reconheci em alguém, protetor. Amo meu filho sabendo também que não é santo, sabendo que gosta de conversar e de fazer bagunça, sabendo que faz o dever de casa com pressa, doido pra começar a pegar seus bonecos e ir brincar. Não, meu filho não lê o jornal aos domingos. Nem em dia nenhum. Na verdade, ele não quer nem saber disso. Apesar de eu comprar 500 gibis pro Miguel ficar sentadinho no quarto dele lendo, ele finge que ficou imensamente feliz quando dou as revistinhas de presente pra ele, lê duas páginas só pra me agradar e larga os gibis em algum canto. E ficariam nesse canto pra sempre caso eu não as colocasse dentro do armário. Enquanto o tão famoso "clic" da leitura pra alguns se deu logo no início do ano, outros em maio, junho, outros em agosto ou setembro, o despertar verdadeiro pra leitura, aquela hora em que notei que ele lia todas as placas e outdoors que encontrava por seu caminho, se deu agora em novembro. E quer saber? Liara é que estava certa. Ela sempre esteve certa. Que diferença isso faz pra vida do meu filho? Que diferença faz se ele aprendeu a ler com 4, 5, ou 6 anos? No que isso vai influenciar sua vida? No que isso vai fazer com que ele seja mais feliz daqui 20 anos? O importante é que ele lê! Miguel desvenda o mundo agora! 

Preciso confessar que aprender a ler não modificou meu filho brincalhão e malandrinho. Ele continua a não se interessar pelas revistinhas que compro e nem tanto pelos livrinhos de leitura da escola. Afinal de contas, ele continua sendo o mesmo Miguel de sempre. O meu Miguel. E o meu Miguel quer ler o que está escrito nos videogames dele. Ele quer ler tudo o que está escrito nos aviões onde viaja por aí. Ele quer ler o que está escrito nas legendas dos filmes inadequados pra sua idade. Ele quer pesquisar na internet e ler quando aquele filme de seu herói favorito vai ser lançado. Ele quer ler a letra da música que gosta de cantar. Hoje, Miguel é alfabetizado. Mais que isso, Miguel é um garoto letrado. Um menino que começa a ter senso crítico, questionador, com mente inquieta. E isso pra mim é ouro. 

Liara, eu nunca saberia como lhe agradecer. Nada que eu lhe compre fará jus a seu feito.  Nada que eu diga poderá significar minha gratidão. A imagem que ficará pra sempre gravada na minha alma e no meu coração é a que eu vivi hoje, quando você se dirigiu a mim com uma genuína alegria, com esse seu jeito animado e sempre cheia de vida, sorriso aberto, olhou dentro dos meus olhos, abriu os braços e me abraçou dizendo: "Viu, Paula? Nós conseguimos!! Nós conseguimos!!" 

Sim, Liara! E tenha a certeza que eu não teria conseguido sem você. Deus abençoe sua vida. E que você nunca se canse de realizar essa sua mágica porque muitas outras crianças com "um jeitinho Miguel de ser" ainda precisarão do apoio de suas mãos de super herói pra conduzí-las nessa viagem que é o 1º ano. Muito obrigada de todo o meu coração. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Ele me supreende




Taninha trabalha lá em casa há 12 anos. É tanto tempo e vivemos tanta coisa juntas que não sabemos mais onde começa a relação de trabalho e onde termina a relação familiar. Taninha é muito querida e amada por nós. Sempre foi extremamente participativa na criação do Miguel e, depois de mim e do Namorado, é ela quem mais tem entrada com ele. Dá banho, comida, conversa e brinca. Enfim, Miguel cresceu com ela ali em casa e ela sabe tanto de nós e nós dela que não consigo imaginar como vai ser quando Taninha não estiver mais ali.

Pois é. Esse dia vai chegar. Taninha disse que está com saudade da família na Bahia e que vai voltar pra junto dos seus. Vai com marido e filha encontrar o filho que lá já está e outros parentes. Está saudosa de suas raizes. Além disso, o marido perdeu o emprego e as coisas estão mais difíceis por aqui. Nós queremos muito o melhor pra ela. Mas receber a notícia foi como tomar um soco no estômago. 

Fiquei muito mal ontem. Uma mistura de dor da saudade com a nova rotina que terá que se instalar na minha casa, talvez com uma pessoa nova com quem não temos intimidade e que não sabe nada de nós, invadiu meu coração com força. E chorei. Não conseguia dormir. E ficava me perguntando como ela se acostumará a morar em um local tão sem recursos, com escolas  ruins, como dará uma vida melhor pra seus filhos, como ela vai trabalhar por lá? Será que ela está fazendo a coisa certa? Minha mente não parava, invadida por todos esses pensamentos e também de como será minha vida, a vida da minha mãe, sem ela. 

Alguém da família se mudaria pra longe e restaria a saudade e a certeza de que será muito raro estarmos juntos novamente. Uma sensação estranha, quase um desamparo. Uma sensação conhecida pra mim. Vivi exatamente a mesma coisa quando a Cleo que trabalhou na nossa casa por muitos anos resolveu voltar pro Maranhão. Quanto carinho por essa mulher que nunca mais vi. Ainda nos falamos algumas vezes ao telefone, mas o toque, o cheiro, a presença física, nunca mais. E acho que será assim com a Taninha também. Eu já conheço a história e a dor da saudade é só a antecipação do grande afastamento que está por vir. 

Miguel me viu chorando e perguntou o porquê de eu estar tão triste. Eu expliquei. E eu continuava chorando. Minhas lágrimas não paravam de cair. Aí meu filho que parece uma alma antiga e cheia de sabedoria, olhou bem nos meus olhos e falou:

- Mãe, vamos conversar sobre isso, beleza? Escuta o que vou lhe dizer.

Ok. Pensei em meio as lágrimas. Beleza.

- Você sabe, mãe, que chorar não vai adiantar nada, não é? Você toma as suas decisões pra sua vida. A Taninha toma as decisões pra vida dela. Se a Taninha decidiu que precisa parar de trabalhar e voltar pra casa dela na Bahia, ela é que escolhe. Entende, mãe: a escolha da Taninha é a escolha dela. E a sua escolha é sua. Não adianta chorar. 

Cara, eu faço terapia há quase 13 anos e meu filho já nasceu analisado. Do jeitinho infantil dele, cheio de carinhas e gestos, ele me disse exatamente o que é fato: eu não posso mudar as escolhas de ninguém e não devo ficar sofrendo se a escolha do outro não seria a minha. Como disse Miguel em outras palavras: não há nada que eu possa fazer. A escolha do outro não depende de mim. É pessoal e única e exclusivamente de responsabilidade do outro. Sequei minhas lágrimas. 

Hoje pela manhã, a caminho do curso de inglês, agradeci meu filho por ter me consolado no dia anterior, por ter conversado comigo e ter sido tão bacana. E ele me disse:

- Mãe, você chorou ontem, mas a gente é feliz. Hoje é um bom dia pra ser feliz, não é? 

Com vontade de chorar de novo por Deus ter me dado a dádiva de conviver com essa criança tão especial, tão meu amigo, tão cheio de sabedoria, respondi:

- Sim, meu gostosinho. Hoje também é um bom dia pra ser feliz.