quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Gente Pedra

Eu sei que todo mundo tem um pouco de louco e que ninguém é normal mesmo, mas tem gente que parece gostar de ser chato, inconveniente e desagradável. O que a pessoa ganha com isso só pode ser algum tipo bizarro de satisfação. Não há nada mais sem sentido que ser uma pessoa que gosta de chamar atenção sendo sempre um estrupício. A única conclusão a que chego é que a pessoa escolheu viver a vida chamando a atenção dos outros pra si dessa forma, visto que se não agisse assim ninguém a notaria. Só pode ser isso. Ou talvez eu esteja bem bruxa hoje e esteja pensando só coisas feias dos outros. 

Mas como pode uma criatura passar uma aula de spinning inteira falando bem alto pro professor escutar que a aula dele é "fraquinha", que "está uma moleza", "já acabou, nem suei"? Ou o que leva essa mesma criatura do pântano a ficar pedindo pro professor durante a aula de ginastica localizada esse ou aquele exercício "porque trabalha mais a musculatura"? No primeiro caso, além de achar falta de respeito com o professor ficar falando que a aula do cara é fraca, eu me sinto envergonhada. Tenho vontade de mandar parar e de tirar da sala. No segundo caso, pelo amor de Deus, o cara faz um planejamento de quais grupos musculares vai trabalhar naquele dia, será que dá pra não encher o saco do professor pedindo coisas que não estão no planejamento daquela aula? Mas tem pessoas que são o que chamo de "gente pedra". Entram em um local e o ambiente já fica pesado, são pessoas difíceis de carregar, de levar adiante na nossa vida. Não há leveza na convivência com gente assim. A pessoa pedra faz tudo parecer chato ou insuficiente, nada nunca está a altura dela, reclamam de tudo e o peso se instala no ambiente. 

Olha, hoje a sala de ginástica estava lotada e minha academia é uma coisa, gente. Como "coisa" entenda que se a sala estiver muito cheia não tem material pra todo mundo. Eu amo as pessoas de lá, o ambiente é muito legal e nem penso mais em sair. Já acostumei com tudo e - acho que é coisa de velho isso - mas tenho preguiça de procurar outra também. Mas, então, voltando ao material que falta quando a aula está cheia. Não tinha barra pra todos. Mas a bonita resolveu pegar duas barras com pesos diferentes pra ela. Eu não ligo pra essa coisa de barra e peguei halteres mesmo e tudo ok. Só que chegaram mais duas pessoas que não tinham barra pra fazer a aula e a pessoa pedra em questão continuava sem o menor pudor de continuar com 2 barras enquanto havia gente sem nenhuma. Até o professor falar com ela. E, pasmem, ela ainda tentou argumentar com ele. 

Essa mesma pessoa não gosta de ser corrigida, faz vários movimentos errados e quando o professor a corrige diz que não estava fazendo errado, diz que já malha há vários anos e que sabe exatamente o que fazer. Enfim. Pessoa difícil. E, dependendo do seu humor, essa pessoa torna-se insuportável. E hoje ela estava insuportável pra mim. 

Talvez uma das coisas que mais me irritem no mundo sejam os que só olham pro próprio umbigo. Sabe as pessoas que acham que a vida é novela e que elas são as protagonistas, inclusive da história do vizinho? Sabe gente que não se importa de o professor ver que ela olha pro relógio de 5 em 5 minutos, dando a entender que a aula está um porre? Sabe gente que atende celular dentro do cinema e fala como se estivesse na sala de casa? Sabe gente que tenta furar fila? Gente que está sentado e não dá lugar pros mais velhos? Nossa, isso me irrita. E hoje eu tive vontade de mandar essa pessoa pr´aquele lugar porque era fim da aula e eu estava conversando com o professor e mais umas 2 alunas sobre transporte, sobre nossas esperanças de que tudo melhore com os BRTs da vida e tal. E aí eu falei que era um absurdo o nosso metrô atender tão pouco a população e fiz uma comparação dizendo que a cidade de Nova Iorque tem mais quilometragem em metrô que toda a quilometragem do Brasil inteiro e que precisamos melhorar muito ainda. Aí a bonita resolve se enfiar na nossa conversa sem ser chamada porque eu, de verdade, nem olho muito pra cara dela e fala: "Também... Pra quê tanta linha de metrô se são todos velhos?? Uma velharia danada!!!" 

Oi? Pelo que me consta, o metrô de Nova Iorque é, sim, muito antigo, mas funcionando e atendendo a população da cidade. Ao contrário do Rio de Janeiro que, segundo ela, tem um metrô novíssimo, mas que não atende a todos e que vive lotado com pessoas viajando em condições de loucura total. Mas eu não quis discutir com essa pessoa pedra. Larguei o alongamento no meio (já não gosto de alongar mesmo e acabei me aproveitando da situação... hehehe) e falei que não iria discutir com maluco. Virei as costas e fui pra casa. Cruz credo! Minhas aulas são tão maravilhosas, fazem meu dia começar sempre tão bem, com tantas risadas e brincadeiras, não posso deixar essa criatura das trévas estragar meu dia. 

Chato saber que o mundo está cheio de gente pedra. Que simplesmente faz tudo pra infernizar o outro, gratuitamente. Pra que ser gente pedra se podemos ser gente flor? Gente céu azul? Ou gente sol? Gente mar ... Gente estrela...  Tanta coisa linda no mundo pra gente ser... Sigo pedindo que Deus me dê paciência e, se for possível, que afaste essas pedrinhas de mim. 

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Expectativas



Até o ano passado eu estava afastada da terapia. Tirei férias, depois de 11 de divã. Mas em abril senti uma necessidade intensa de voltar porque percebi que precisava de ajuda, de novo. E quem me mostrou que eu precisava ser ajudada foi o Miguel. 

Comecei a perceber que tudo o que eu sabia na teoria, eu não estava conseguindo colocar em prática. Exemplo: "Cada criança tem seu tempo e precisamos respeitar isso." Ok. Tudo muito bacana nessa teoria linda. E a verdade é que achamos lindo porque até ter filhos você pensa, secretamente e sem confessar nem pro seu travesseiro, que o tempo do seu filho vai ser rápido. Ele vai aprender tudo na frente de todo mundo. E aí você vê que não é bem assim. Seu filho não é um super dotado. Seu filho é uma criança normal e que, sim, é muito esperto, mas têm interesses diversos dos seus. Você acha bonitinho o filho do vizinho estar escrevendo o nome inteiro quando seu filho só escreve o primeiro. Que fofo o fulaninho que sabe todas as letras do alfabeto... Seu filho ainda não. AINDA. Aí é que está. Mas as expectativas começam a dar na sua cara. Elas não lhe dão trégua. E batem forte.

Eu estava "preparada" pra isso. Pelo menos eu achava que estava. Só que Miguel chegou na minha vida pra isso mesmo, pra me tornar alguém melhor, pra me fazer enxergar o que eu não conseguia antes, pra ver outras nuances, outras cores. Só que isso não é fácil, muitas vezes dói. Na minha cabeça eu estava pronta pra conhecer aquele serzinho que ficou crescendo na minha barriga, eu estava pronta pra entender seu jeito e a deixar as coisas fluirem, sem pressão. Só que na hora que eu ouvi na escola: "Seu filho é uma alegria, vem pra escola muito feliz. A gente nota como ele interage com todo mundo, como ele tem vida! Mas Miguel não quer nada!", surtei. A frase foi a coisa mais sem sentido que alguém poderia ter dito pra uma mãe a respeito de seu filho de 4 anos, mas me afetou muito. E foi então que eu notei que precisava de ajuda. Ser afetada por uma frase que diz que um menino de 4 anos "não quer nada" me fez perceber que algo não estava bem. No final das contas, um menino de 4 anos "não querer nada" é a coisa mais normal do mundo! Qual a criança de 4 anos não quer brincar? Não quer conversar e rir com seus amigos? Qual a criança de 4 anos quer aprender matemática? Qual a criança de 4 anos quer ficar quietinho, sentadinho por horas? Só que eu achei que a frase dita assim, de sopetão, me pegando totalmente de surpresa e sem maiores explicações, estivesse condenando meu filho e eu também me senti condenada. Como sempre, a mãe sempre se culpa por tudo. Até pelo que não tem culpa.

Percebi que eu bobamente achava que não tinha nenhuma expectativa. Pensava que procuraria entender e acompanhar o crescimento do meu filho aceitando sua singularidade, sem impor minhas vontades ou predileções, mas nada disso era verdade. Eu tinha, sim, muitas expectativas que eu esperava que ele preenchesse. Eu esperava que ele correspondesse ao ideal de filho perfeito que eu tinha na minha cabeça. Mais ainda, eu esperava que ele, sendo o que eu achava que era perfeição, não sofresse. Miguel tinha 4 anos e eu surtei porque percebi que ainda faltava muito pra mim e que a última coisa na face da terra que eu queria era encher meu filho de pressão, era que ele se sentisse pressionado a corresponder a algum diacho de padrão estabelecido por quem quer que fosse, muito menos pela própria mãe. Por isso, voltei correndo pra psicoterapia. Terapia me salvando, mais uma vez. E, por tabela, salvando meu filho. 

Hoje, lendo uma entrevista de um psicólogo português, Eduardo Sá, senti-me ainda melhor nesse caminho de volta à sanidade que busquei há um ano. A entrevista é toda muito boa, mas o trecho que me tocou muito é o que segue:

Rita: O que o pai e a mãe devem exigir do filho?
:Que seja honesto, que seja humilde, que escute quem lhe mereça admiração, que jamais esqueça que quem foge de errar vive preso no erro e que perceba que ao orgulho se chega quando vencemos, com a ajuda dos outros, as nossas dificuldades (ao contrário da vaidade que representa a veleidade de os vencermos a eles).
Rita: No livro, o senhor afirma que os bons filhos não são os que tiram melhores notas. Por quê? Quais são os bons filhos?
:Bons filhos são aqueles que percebem que errar é aprender. São aqueles que, mesmo depois de entrarem na escola, continuam perguntando “por quê?”. E que percebem que os pais não são necessários para o crescimento dos filhos, mas são indispensáveis. É por isso que eu acho que os bons filhos não são aqueles que não dão problemas aos pais mas, sobretudo, aqueles que lhes põem problemas. Porque é à custa desses desafios que os pais crescem e se tornam melhores pais.

Sabe, não posso deixar de agradecer ao meu filho por ser exatamente como ele é. Ele é a medida do que eu precisava. É plano de Deus pra mim. Ele é o presente de Deus, desde que estava na minha barriga. Miguel me faz a todo instante querer ser melhor, ele me faz querer aprender, evoluir. Miguel me testa, me eleva, faz com que eu sinta dores, culpas, desespero. Miguel faz com que eu me sinta louca, diva, miserável, rica. Faz com que eu sinta alegria, o maior amor, a maior felicidade também. E por mais contraditório que tudo isso possa parecer, sinto-me progredindo não só como mãe, mas principalmente como pessoa. Buscando ser melhor mãe pra ele, torno-me um ser humano melhor. Antes era só por mim. Hoje quero ser melhor por nós dois e pro mundo. 

Filho, seja do jeito que você for, eu lhe amo. Muito. Pra sempre. É como sempre lhe digo antes de dormir: "Você é minha vida, meu presente." Estamos juntos. 



quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Só agora é que começou??



Acho tanta graça de todo mundo falando que o ano começa agora, após os festejos carnavalescos. Não consigo tirar férias quando todo mundo tira. O Namorado também não consegue. Em janeiro estamos trabalhando muito e tenho até peninha do Miguel nessa história toda. Os amigos viajam ou fazem programas diferentes e ele fica em casa. Por isso, meus sábados e domingos são totalmente dedicados a ele nesses meses de férias. Primeiro porque Hugo trabalha até nos fins de semana nessa época e outra porque Miguel já fica a semana inteira dentro de casa, então tento levá-lo nos fins de semana pra fazer as coisas fora de casa das quais gosta. Minha sorte é ter minha irmã de férias em janeiro. Ela sempre inclui o Miguel em seus programas com as meninas e ajuda bastante. 

Miguel se queixou a respeito das férias comigo esse ano. Foi a primeira vez que tocou no assunto. Falou que os amigos viajam nas férias, que brincam durante a semana e ele não. E aí eu tive que explicar pra uma criança de 5 anos que é assim mesmo e que será assim. Não há como mudar isso. Expliquei que o meu trabalho e o do pai dependem muito dessa época do ano e que precisamos trabalhar pra que ele tenha uma vida legal, uma escola bacana. Lembrei a ele também que, provavelmente, ele viajará quando os amigos estiverem em aula e que isso também é um pouco chato, porque faltar aulas não é o ideal e que ele terá sempre que correr atrás do prejuízo todas as vezes que voltar de alguma viagem de férias tirada em período letivo. Essa é a nossa vida e temos que levá-la da melhor forma possível. Vantagens e desvantagens. Depois dessa nossa conversa, ele me disse que entendeu e não se queixou mais. É muito fofo esse meu filhote. 

Ainda tem outra coisa que piora muito meu início de ano. Como é muito difícil a rotina do Namorado nessa época, saindo cedo de casa e voltando lá pelas 11 da noite, eu acabo ficando sobrecarregada. É nessa época que levo Miguel ao médico, pra fazer alguns exames de rotina, e, normalmente, Hugo divide isso comigo. Mas em janeiro, nem pensar. É tudo comigo mesmo. 

Por toda essa trabalheira é que, quando chega o Carnaval, já estou louca por esses dias de feriado!! Pra descansar. Não me venha falar de folia e de festa. Sambódromo, bloco ou bailinho. Festa pra mim que estou trabalhando sem parar em meio a um verão escaldante e calor de Saara, cheia de pressão de bater números e metas e organizando o volta às aulas, é ficar na minha casa dentro do ar condicionado, assistindo aos filmes indicados ao Oscar, lendo meus livrinhos e dormindo muito. No máximo, um almocinho familiar, uma piscina, uma saidinha com amigos até ali, o bar da esquina, ou um cineminha. Não é que não goste de Carnaval, apenas não tenho forças pra ele. Não mesmo. 

Então, pra você que estava de férias e pulou bastante seu Carnaval, feliz 2015! Mas pode ficar sabendo que meu 2015 já começou faz tempo, viu? Começou em janeiro mesmo, mas precisamente no dia 05. Sem descanso. Trabalhando muito. E a única coisa com a qual estou sonhando agora, já mais descansada depois desses dias de folia no aconchego do meu lar, são minhas férias. Eu sei, minhas férias ainda demorarão a chegar... Mas não posso evitar sonhar com elas. E desejar que elas cheguem lindas e cheias de graça pra mim, com muito confete e serpentina. 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Alfajor

Ontem ganhei um alfajor da professora Carol. Eu adoro alfajor, principalmente aqueles bem recheados. Por isso, não ligo muito pros famosos HAVANA. Acho que são secos e com pouco recheio. Coisa de mente de gorda. Se for pra eu engordar, que seja em grande estilo. Enfim, levei o doce pra casa pensando em comê-lo depois do jantar. Só que jantei e esqueci de comer a gostosura e ele ficou ali, em cima da mesa. 

Lá pelas 9 da noite, fui com o Miguel até a cozinha e ele viu o alfajor. "Ai, meu Deus... Porque não escondi meu alfajor?", pensei. Não deu outra, como eu já imaginava que aconteceria, Miguel foi até o alfajor com cara de gato de botas do "Shrek" e perguntou:

- Mãe, esse é aquele bolinho gostoso que a gente comeu na Argentina?

Respondi que sim, com medo do que viria depois...

- Você ganhou de algum amigo, né? Você tem muitos amigos, mãe... 

Silêncio por 30 segundos. Ele queria que eu oferecesse o alfajor pra ele. E estava estudando um jeito de chegar lá. Desculpem, não ofereci o doce pro meu filho. Eu queria comer o danadinho. Ainda tinha esperanças de que ele deixasse pra lá. Mas ele prosseguiu:

- Esse bolinho é muito gostoso... Eu gosto muito, né, mãe? Você sabe...
- Sim, Guel... Você gosta e eu também. 

Que tipo de mãe trava uma batalha por doce com o filho???, falou minha consciência abalada. E sem me dar tempo de pensar sobre o assunto, veio à queima roupa o que eu estava evitando ouvir:

- Você não vai deixar eu comer, não, né?

Ai... Chegou no ponto. Enquanto estava subentendido, eu estava me fazendo de morta. Agora, assim, configurado o desejo dele, explícito e com todas as cores, praticamente um pedido, ferrou. Falei, desanimada, impelida pelo sentimento materno e pelo ditado que minha avó sempre dizia "Depois que filhos pari, nunca mais barriga enchi":

- Tudo bem, filho. Pode comer o alfajor. 

Miguel pegou o doce, pediu que eu abrisse o pacotinho e deu uma mordida, satisfeito. Depois de mastigar, virou-se pra mim todo saltitante e feliz:

- Mãe, eu sabia, desde que te conheci, que você era a melhor mãe do mundo!

Naquele momento, sentindo ainda a boca salivar por conta do alfajor não comido, me senti mesmo a melhor mãe do mundo. 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Alfabetização



Lembro muito nitidamente do dia que minha irmã voltou da escola, depois de levar a Duda (sua filha mais velha e hoje com 15 anos) para o primeiro dia de aula da alfabetização. Ela entrou em casa com os olhos marejados, emocionada mesmo e eu não entendi direito o porquê. Era mais um ano escolar como os tantos que a filha iria encarar na vida. Além disso, não era o primeiro dia na escola - coisa que, na minha cabeça de quem nem sonhava em ter filhos - significaria muito mais. A cena dela sentando a mesa na hora do almoço e chorando ficou viva na minha memória sem que eu soubesse a razão. Hoje eu sei.

Miguel estava nervoso, inseguro até, pra ir à escola e iniciar esse ano. Um ano com muitas novidades. Miguel não tem irmãos mais velhos pra "tocar o terror" na vida dele, mas tem a Rafaela. E ela se esmerou ao máximo pra falar que "acabou a molezinha do jardim da infância", "agora você vai brincar pouquinho", "se prepara que vão começar as provas", enfim... Miguel sabe que esse ano tem uma importância maior na vida dele, mesmo que não tenha a menor noção do quanto aprender a ler e a escrever será libertador, o quanto isso aumenta suas possibilidades de vida e amplia seus horizontes. 

Tentando fazer esse dia de ida à escola parecer como outro dia qualquer pra ele, tentando muito não colocar pra fora toda a minha ansiedade e preocupação com a nova e importante fase da vida do meu filho, fomos pra escola. No caminho, Miguel disse que não sabia quem seria a sua professora ou onde seria sua sala de aula, suas preocupações mais importantes naquele momento. Disse a ele que hoje eu iria entrar com ele na escola e só o deixaria quando estivesse na nova sala de aula em companhia da nova professora. Miguel também manifestou medo de "não conseguir escrever o que a professora mandar". Acho que na cabecinha dele, hoje seria o dia de aprender a ler e a escrever. Ele não entende isso como um longo processo. Um processo que iniciou há muito tempo e que ainda vai continuar. Pra um menino de 5 anos, difícil existir outros 300 dias. Pra ele, existe o hoje, a urgência do agora, o imediatismo de seu querer. 

Assim que chegamos  à escola e Miguel viu alguns de seus amigos, já disse pra mim que eu poderia ir pra casa. Entretanto, eu não o fiz. Fiquei ali, de longe, olhando meu filho carregando sua mochila nas costas (não quis mais a mochila de rodinhas), indo entrar na fila que seria conduzida pela professora até a nova sala de aula. Confesso que meu coração batia forte. Com certeza, mais forte que o dele. E senti uma emoção enorme tomar conta de mim. Porque alí, na minha frente, vi meu filho dar um passo gigante pro seu futuro e o vi fazendo isso firme. 

Esperei a professora dirigir-se à sala de aula pra ver onde meu filho estudaria durante todo esse ano. Chegando lá, quis ir até a porta da sala. E observei Miguel escolher uma carteira. Uma carteira grande. Vi meu filho tirar a mochila das costas e ajeitá-la. Vi Miguel olhando pro Guilherme, amigo que veio sentar-se ao seu lado. Olhinhos cúmplices de dois amigos que viverão uma das maiores aventuras de suas vidas lado a lado. Pelo menos por hoje. E, naquele momento, toda a minha ansiedade por tudo o que meu filho viverá transformou-se em um bolo na minha garganta. E eu não estava mais conseguindo conter minhas lágrimas. Uma das mães da turma, a Alessandra, talvez pressentindo o turbilhão que se passava dentro de mim e não sendo uma mãe de primeira viagem, falou pra mim:

- "Você é manteiga derretida que nem eu, é??"

Só consegui responder, sem piscar, que sim. E saí de lá o mais rápido que pude porque a vontade que me deu foi me jogar nos braços da Alessandra e me sentir acolhida por alguém que entenderia minha emoção e ficar quietinha dentro daquele abraço  por uns 20 minutos,  chorando sem vergonha. Logicamente, a razão falou mais alto e não fiz isso. 

Eu sei que muitos vão falar que sou idiota ao ler esse texto. Muitos vão dizer que estou fazendo novela mexicana com uma situação tão corriqueira. Vão dizer que hoje foi um dia como outro qualquer pro Miguel, que não há motivo pra tanta emoção. Eu mesma pensei isso 10 anos atrás olhando pro rosto choroso da minha irmã. Talvez seja mesmo uma emoção despropositada, um choro bobo, uma ansiedade besta. Drama. Talvez eu esteja querendo drama. Drama ou não, o que sinto hoje não é muito diferente do que senti quando deixei Miguel na creche, com 4 meses, pela primeira vez. Também não é muito diferente do dia em que ele não soltava minha mão na adaptação à escola. Não é diferente do dia em que o deixei entrar na escola sozinho e fiquei só no portão, vigiando seus passos e esperando seu "tchau" lá de cima. E sei que não será diferente de quando ele for pra uma escola nova. Quando ele fizer vestibular ou de quando ele entrar na universidade. E não será diferente do que sentirei em seu primeiro dia em qualquer novo emprego. 

Hoje, posso dizer uma coisa sinceramente e com toda certeza do mundo: entendo minha irmã, de todo coração. Entendo sua apreensão, seus medos. Entendo sua cara emocionada ao deixar sua filhota ainda tão pequena sentada em uma sala de aula "não enfeitadinha" pro jardim de infância, uma sala de aula MESMO. Entendo que ela tenha pensado naquele instante na sua enorme impotência. E entendo que ela tenha pensado em como é prepotente por achar, em suas ilusões sem sentido, que sempre estaria ao lado da filha pra protegê-la de tudo, de qualquer coisa.  Hoje entendo que quando meu coração aperta e fica miudinho, tão miudo  que chega a doer, o único jeito que tenho de afrouxá-lo é chorando. Foi isso o que aconteceu comigo hoje. Não chorei jogada nos braços da Alessandra. Não tive coragem pra tanto. Mas chorei andando pela calçada da escola, entrando no meu carro, chegando em casa. E estou chorando agora de novo, colocando tudo isso pra fora. E meu coração já está se sentindo melhor. Está, sim.