terça-feira, 31 de março de 2015

Beija logo!



Sábado passado levei Miguel pra assistir Cinderela no cinema. Ele disse que não estava muito a fim de ir não, que esses filmes de princesa são coisas de menina e tal. Eu expliquei que filme legal é filme legal, não importa se o tema é mais feminino ou masculino e que Cinderela parecia um filme bem bacana. A explicação serviu e lá fomos nós. 

Miguel gostou do filme, se divertiu. E eu também. A gente luta tanto pra não acreditar em príncipes, mas se derrete toda quando vê um. Sei que nem toda menina é assim, mas eu adoro um romance... Não tem jeito, é mais forte que eu. Mesmo que na vida real eu nem seja lá muito carinhosa e que nem guarde datas importantes, gosto de romance.

Então, lá pela segunda metade do filme, Cinderela já no baile toda linda com o príncipe, conversa vai, conversa vem, os rostos dos dois chegando pertinho pra quase se beijar diversas vezes e nada do tão esperado beijo sair. De repente, Miguel fala alto, já sem vontade de ficar esperando aquele "reme-reme":

- Ai, que enrolação! Beija logo! Por que não beija logo???? Meu Deus!!

Incrível como homem é afoito né? Não tem paciência, quer ir logo direto ao assunto, logo pros "finalmente" da questão. Está no DNA, acho. Somos diferentes mesmo e quando convivemos de perto com crianças do sexo feminino e masculino observamos essas nuances, não tem jeito. Domingo, em uma festinha, começou a tocar Anita e outras músicas dançantes. Onde estavam as meninas de 5 anos? Sensualizando na pista em seus passos de dança. Onde estavam os meninos? Correndo que nem loucos e brincando de luta.

Enfim.... Voltando à falta de paciência do meu filho em esperar pelo beijo, querendo que o príncipe chegasse junto da Cinderela urgentemente, tentei acalmar os ânimos da criança. Cheguei pertinho do ouvido do meu filho e disse a ele:

- Miguel, eu sou menina então sei o que estou falando. Preste atenção ao que vou lhe dizer agora: um menino quando quer deixar uma menina louca pra beijá-lo, dá uma enroladinha assim mesmo. Não pode sair beijando logo, não!! Assim ela fica com mais vontade de beijar o menino, entendeu? Menino que já chega agarrando a menina, assusta. Não é bom não... Melhor ir devagar, aos pouquinhos. Eu sou menina, então você faça o favor de escutar a sua mãe! 

Miguel ficou me olhando com cara de quem está prestando toda atenção do mundo. Os olhos fixos em mim e não mais na tela do cinema. Depois fez uma cara engraçada do tipo: "Aaaaaaahhhhh, tá." Não disse uma só palavra, só um risinho de canto de boca.

Ficamos em silêncio pra assistirmos o resto do filme quando, até que enfim, o príncipe beija a Cinderela. Olho pro meu filho e ele me olha nos olhos com a cara mais sapeca da face da terra e faz um movimento com seu braço esquerdo com punho cerrado de quem marcou um ponto e está comemorando acompanhado da palavra: "YESSSSSSSSSSS". O beijo, tão esperado, chegou.  E eu ri pra ele e com ele, também feliz por ter visto o príncipe beijar a Cinderela. 

Quando o filme terminou, Miguel chegou pertinho da minha orelha e disse: "Pode deixar, mãe, que não vou sair beijando as meninas rápido, não. Vou demorar um pouquinho."

Será? 





segunda-feira, 30 de março de 2015

O Beijo Gay. Ainda?

Tanta gente super incomodada com o beijo do casal representado pela Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg na novela das nove. Graças a Deus à minha volta eu não tenho tantas pessoas que se sintam chocadas com a cena ou que estejam perdendo tempo sentindo-se ultrajadas com isso. Eu não vejo essa novela, mas vi a tal da cena. Não sinto nada quanto vejo um casal gay se beijando assim, quando eu não tenho envolvimento afetivo. Pra mim, foi um beijo como qualquer outro. Senti muito mais emoção, por exemplo, quando foi o beijo dado no último capítulo da novela em que o Matheus Solano beijou o Thiago Fragoso. Porque eu torcia por eles, acompanhei a novela, sentia que se amavam mesmo e, pra mim, amor é amor em qualquer lugar do mundo e é esse amor que toca as pessoas, emociona, faz o mundo ser mais bonito, um lugar mais gostoso pra se viver, mais colorido. É o amor que perdoa, que constrói coisas, vidas, pontes. Já peço perdão àqueles que pensam diferente de mim, afinal essa é apenas a minha humilde opinião.

Agora eu vou falar o que tem me incomodado nessa história de a homossexualidade ser retratada com frequência na televisão. É o fato de que ainda não deram aos casais homoafetivos o tom de realidade que eles merecem. Ainda acho tudo muito fantasioso, tudo muito falso. Sinto um estranhamento grande quando vejo os casais homossexuais viverem como se a vida deles fosse um mar de rosas, como se tudo fosse muito simples depois que se resolve viver a vida sem fingir ou, traduzindo em linguagem popular, depois que resolvem "sair do armário". 

Ora bolas, as novelas dão a entender que só porque a pessoa "saiu do armário" e resolveu viver seu romance com quem ama, tudo está resolvido. Os casais homossexuais das novelas vivem conflitos apenas com o mundo externo, nas novelas sua vida em casa é de amor intenso, apaixonado e profundo. Sem brigas, sem ciúme nocivo, sem divergências, enfim, um mar de rosas. E, meu povo, desculpe, mas a vida de um casal homossexual sofre com os mesmos problemas que atingem a vida de QUALQUER casal. Rotina, tédio, monotonia, pensamentos diferentes, modo de enxergar o mundo, questionamento a respeito de como criar filhos, briguinhas por besteiras, oscilações de humor. 

Lembro-me que na única vez em que vi um casal homossexual de novela brigar feio foi porque uma mulher entrou na jogada. Acho que era a Danielle Winits que se enfiava no meio da relação dos dois caras. Quer dizer, pro casal formado por duas pessoas do mesmo sexo brigar, só se uma terceira pessoa de sexo diferente do deles aparecer. Continuam retratando a homossexualidade de forma falsa e isso, sim, me incomoda. O que me preocupa é meu filho achar que em relacionamentos de pessoas do mesmo sexo não há problemas, que seja tudo perfeito, porque isso é muito ruim, essa ilusão de que o único problema de um homossexual se restrinja ao fato de ter ou não coragem de se assumir. Torço pra ver a vida de um casal gay sendo retratada do jeito que é, um casal de verdade, que brigue, que tenha ciúme, que faça as pazes, que faça planos juntos. E, então, que traição não seja exclusividade de casais heterossexuais. E torço também pra ver um contraponto mais forte pra tanta traição, desonestidade, falta de companheirismo, falta de respeito, falta de ética. Isso me preocupa na televisão brasileira. As pessoas deveriam colocar o foco de sua ira na falta de amor e não na existência dele. 

Acho que o dia em que todos olharem pras relações homossexuais como se olha pra qualquer outra, não haverá necessidade de nenhuma parada gay, nem "orgulho gay", nem de  florear um dia-a-dia que é tão duro e complicado quanto qualquer outro. Nesse dia, não haverá mais preconceito e nem aversão a beijos de pessoas do mesmo sexo. Nesse dia não haverá mais troca de olhares ou narizes torcidos quando esbarrarmos com duas pessoas do mesmo sexo andando de mãos dadas na rua. O amor será mais importante, estará acima de tudo. O amor será valorizado. Eu e Namorado fomos com o Miguel ao casamento de dois amigos queridos no ano passado. Emocionei-me como em qualquer outro casamento, chorei, fiquei mexida. Sabe porquê? Porque era amor. E o que importa além do amor? Miguel olhou pros dois rapazes entrando de mãos dadas e me perguntou se dois meninos podem se casar. Eu e o Namorado respondemos com muita convicção que se os dois meninos se amam, se eles se fazem felizes como eu e o pai dele nos fazemos, se eles se respeitam e são amigos, sim. Podem viver casados. Dissemos ao Miguel que o que importa nessa vida é nos tornarmos pessoas melhores e que Deus quer que vivamos em harmonia e paz. Miguel não perguntou mais nada desde o dia do casamento em que presenciou um amor lindo entre duas pessoas do mesmo sexo. Pessoas que vivem as dores e delícias de terem optado por seguirem juntas o mesmo caminho. Do mesmo modo que eu e seu pai. 




segunda-feira, 16 de março de 2015

10 anos



Hoje de manhã cedinho perguntei durante a aula na academia que dia era. E me disseram que era dia 16. E, de repente, me dei conta de como o tempo passa rápido, de como a vida é curta, principalmente quando se é feliz. Mês que vem, nesse dia - 16, só que de abril - eu e Namorado faremos 10 anos de casados. Deus não poderia ter unido duas pessoas tão diferentes. E também não poderia ter sido mais perfeito.

Nesses 10 anos já passamos momentos difíceis, mas não tenho como contar os momentos de felicidade sem fim. Já disse mil vezes o quanto me sinto presenteada pela benção de ter um marido amigo, companheiro. Um homem que me ama, que me tomou como sou. O Namorado me aceita louca, chata, repetitiva, intensa. Tudo meu é muito, é pra ontem, é pra já. Mergulho fundo em qualquer ideia e vou atrás dela, mas também posso mudar no momento seguinte pra outro plano igualmente mirabolante. Eu sei que é difícil acompanhar meu ritmo. Mas ele consegue. Ele me deixa voar. Ele me deixa enlouquecer. 

Eu falo rápido e mesmo assim minha boca não consegue acompanhar meus pensamentos. Mas, antes de me chamar de louca e me deixar pra lá, o Namorado me faz parar, me pede pra ir com calma, pra explicar melhor. Não raro me pergunta: 

- Mas do que você está falando agora, Namorada?? Até 1 segundo atrás você estava falando do sofá, agora já mudou o assunto pra escola do Miguel?

Sim. Eu sei. É atordoante. Eu falo a mesma coisa mil vezes. Não sei se é mal de professor, sabe? Quero sempre fazer um trabalho de fixação pra quem está do outro lado não esquecer de nada, nunca. Ou pra garantir que tudo vai sair exatamente do jeito que eu quero. E ele ri de mim toda vez que sou repetitiva e me deixa falar, pela milionésima vez, o que já ouviu tantas vezes. E faz cara de quem acha graça. Faz cara de alguém que me pergunta com os olhos como eu consigo ser assim. 

Quando ele me pergunta qual a programação do final de semana e eu respondo enumerando as mil coisas que temos pra fazer ou as muitas coisas que eu gostaria de fazer, ele me diz:

- Sim, Namorada... Mas quantas horas vai ter esse dia mesmo, heim?

E eu caio na gargalhada porque me dou conta de que terei que escolher, quando queria fazer tudo se pudesse. Eu SEMPRE acho que vai dar tempo de fazer tudo, de ter tudo, de conseguir tudo. Hugo é o pé no chão do nosso relacionamento. Ele é a terra e eu sou o ar. Ele é a realidade, eu sou o lúdico, a fé. Ele é filme, eu sou novela. Ele é palavra, eu sou texto. 

O Namorado é muito engraçado, só que tem um humor ácido, sarcástico e muitas vezes eu não entendo, devo confessar. Mas ele sempre me explica. E eu sempre posso ser sincera dizendo quando não entendi. Ele ri disso ou de mim, nem me importo, porque sinto-me à vontade pra ser quem sou, sem fingir. E é muito bom poder ser eu. E saber que ele gosta de mim desse jeito. 

Nesses últimos 10 anos - que eu espero que sejam apenas os primeiros - eu aprendi muito e só me ocorre agora agradecer a Deus e pedir que ele nos abençoe com paciência e tolerância. E que a gente possa continuar a se divertir. A rir juntos. Que não nos falte assunto, que não nos falte vontade de estar um com o outro. Quando decidimos nos casar, eu pensei exatamente o que diz a letra de Belchior e aqui coloco pra ele, meu Namorado, o meu pensamento da época em forma de música e, asseguro que tenho a certeza de que ele é o cara pra mim...

"Meu bem, talvez você possa compreender minha solidão, o meu som, 
a minha fúria e essa pressa de viver. 
E esse jeito de deixar sempre de lado a certeza e arriscar tudo de novo com paixão.
Andar caminho errado pela simples alegria de ser.
Vem viver comigo...
Vem correr perigo...
Vem morrer comigo, meu bem..."

Te amo, Namorado. 




terça-feira, 10 de março de 2015

O menino

Todo semestre algumas pessoas me procuram porque querem estudar inglês e não tem condições de pagar uma boa escola de idiomas. Algumas dessas pessoas até poderiam pagar um curso mais barato, mas querem dar qualidade aos filhos e, assim sendo, procuram o CCAA. Isso me deixa muito feliz, mas também me coloca diversas vezes de cara com uma verdade triste: a de querer estudar e não poder. Enfim, procuro saber da vida dessas pessoas, faço uma entrevista porque é necessário saber de tudo, da história, da vontade de estudar, do valor que a família realmente dá pra educação. Muitas vezes o aluno em potencial quer estudar em um primeiro momento, até porque ele não tem ideia das obrigações e responsabilidades a mais que terá, depois, envolvido pela realidade de seu dia-a-dia, acaba desistindo. 

Dos muitos alunos que recebo nessas condições, muito poucos chegam até o fim. A maior parte larga no meio do caminho, mesmo quando faço uma triagem forte no início. Pode parecer crueldade da minha parte, mas não dá pra ajudar alguém que quer muito, mas que, por exemplo, não tem comida em casa. O aprendizado ficará comprometido. Não tenho como ajudar pessoas que moram longe da escola e não tem dinheiro pra passagem também, porque isso fará com que o aluno não seja assíduo e isso vai prejudicar o aprendizado. Não tenho como ajudar adolescentes que tem a obrigação de cuidar de irmãos menores, porque também acabarão faltando às aulas. Os pais, por sua vez, precisam colocar a educação dessas crianças como prioridade, eles precisam dar valor à oportunidade e dar condições para que o aluno estude e frequente as aulas. Algumas vezes, o aluno que quer estudar não preenche esses pré-requisitos e fica frustrado. É compreensível. Mas eu preciso ser prática e até um pouco fria na hora de analisar tudo isso e escolher.

Nunca dou bolsa integral, acredito que o aluno valoriza mais quando paga alguma coisa, mesmo sendo um valor simbólico, algo que caiba no seu bolso. Não há diferença de tratamento para nenhum dos alunos bolsistas, eles são cobrados como qualquer outro aluno. Tem as mesmas obrigações e deveres. A única diferença é que não podem ter mais de 6 faltas. Os professores não sabem se tem alunos bolsistas ou não em seus grupos. A sala de aula é um local democrático e todos recebem a mesma atenção. Os bolsistas se enturmam com pessoas de realidades totalmente diferente da deles. E isso é ótimo: tanto pra quem tem muito quanto pra quem não tem. Meu público é de classe média pra alta e é de grande valor essa inclusão social. É bacana ver o aluno que tem tudo, todas as facilidades do mundo, começar a conhecer pessoas com vida tão distinta. É bom pra que deem valor à vida que tem. Por outro lado, quem tem tão pouco, começa a enxergar que a vida não se restringe ao mundinho de sua comunidade, que é muito maior e que sonhar com condições melhores pode ser o início pra uma mudança de vida. 

No início de 2014, um menino veio até o CCAA. Depois de toda essa conversa, de todo o processo pra escolha, fez sua matrícula. O desconto que dei à família permitiu que os pais pudessem arcar com as mensalidades. Esse menino mostrou-se inteligente, sagaz, vivo. Vinha às aulas com o uniforme da escola pública, mas já estava ambientado e seu desempenho era muito bom. Só que esse ano o pai ficou desempregado e a mãe ligou pra trancar a matrícula porque não teria como arcar com o custeio dos livros. Comovida, Fernandinha (a secretária) veio falar comigo. Fiquei com muita pena de ver aquele menino cheio de potencial, interromper seus estudos. A vida não é mole pra algumas pessoas. Não mesmo. Só que nessas horas a cabeça da gente tem que pensar rápido, no mesmo ritmo do coração. E pedi pra Fernandinha ligar pra mãe dele pra dizer que nós daríamos os livros pra ele. Esse semestre. Até que a situação familiar se reestabelecesse. Felicíssima, a mãe agradeceu muito. 

Assim, chegou o dia da aula e o menino veio até o balcão pra buscar seu material. Andréa o atendeu, conversou com ele pra que não faltasse mais, já que tinha perdido as duas primeiras aulas do semestre e disse que o acompanharia até a sala de aula. No caminho, o menino perguntou por mim. Disse pra Andrea que gostaria de falar comigo. Surpresa, Andrea o trouxe até a minha sala. Cumprimentei o menino e disse que estava feliz por ele estar ali. E aí aquele menino magrinho, de apenas 11 anos, vindo direto da escola, com uma carinha de cansado, entrou na minha sala e disse:

- Vim aqui agradecer pelos livros.

E estendendo a mão como um homem adulto em minha direção para que eu a apertasse, me disse:

- Muito obrigado. 

Andrea, atrás do menino já estava chorando. Eu, mal conseguia segurar minha emoção, não consegui levantar e rodear minha mesa, como gostaria de ter feito, pra dar um abraço apertado no menino. Fiquei olhando pra ele, sentindo meus olhos arderem. Disse a ele que não havia porque agradecer e que maior agradecimento seria que ele continuasse estudando. O menino virou-se e foi pra sua sala de aula. 

Sabe, eu não estava esperando aquele agradecimento. Muitas vezes ajudamos e não temos um agradecimento, nada. Eu não faço esperando isso também. Ajudamos porque faz bem ao nosso coração, abrimos uma porta pra tentar mudar a vida de uma pessoa, se essa pessoa vai entrar e aproveitar a chance, já não podemos dizer. Mas confesso que foi lindo ver o menino de 11 anos apertar minha mão, seguro do que deveria fazer. Com coragem pra entrar sozinho em minha sala e me olhar nos olhos e agradecer. 

Ganhei a vida com aquele aperto de mão. Fez valer tudo. Todas as vezes que tentei ensinar pra quem não queria aprender. Todas as vezes que tentei empurrar alguém adiante que não queria ser empurrado. Todas as vezes que tentei mostrar que há algo melhor do outro lado dos muros da existência de alguém e esse alguém não quis enxergar. O aperto de mão do menino foi combustível pra eu ir mais longe. Pra eu continuar ajudando. Pra eu continuar na luta. E não desistir de acreditar que tem jeito pro mundo.

No fundo, eu é que deveria agradecer.