quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Bom dia

Dou valor a um "bom dia". E sou praticante. Acordo bem cedo pra ir pra academia e encontro várias pessoas depois que estaciono meu carro, durante o trajeto de atravessar a rua e entrar na sala de ginástica. Dou bom dia a todos que cruzam comigo: do transeunte desconhecido aos meus amiguinhos de aula. 

Há um ano estou malhando nessa academia, tive que sair da antiga onde estava fazia muito tempo porque ela mudou de endereço e a localização não ficou legal pra mim. Enfim, há um ano a cara da recepcionista da academia nova me incomoda logo de manhã cedo. Há um ano, todos os dias, invariavelmente, passo pela recepção e desejo a ela um bom dia e há um ano somente recebo de volta algo falado entre os dentes - talvez um dialeto qualquer - na melhor das hipóteses. Na maior parte das vezes, ela está lendo seu jornal e nem levanta a cabeça pra olhar pra mim. 

E eu fiquei pensando nisso todas as vezes que entrava na academia. Pensava se chegaria o dia em que ela me devolveria o bom dia sorridente que desejo a ela. Eu sei, eu sei, o bom dia que desejo a ela devo fazer por mim mesma, pela educação que mamãe me deu e não esperando que ela responda. Mas como pode ser possível encontrar com a mesma pessoa de 3 a 5 vezes por semana e não responder seu cumprimento depois de um ano inteiro? Pra mim, é inacreditável. Entretanto, sempre tive em mente que não desistiria nunca. Daria meu bom dia da mesma forma, todos os dias, porque desejo, mesmo, do fundo do coração, naquele momento, que tanto ela, mera desconhecida da recepção e eu, tenhamos um bom dia.

Então, ontem, quando entrei na academia e fui recebida pela primeira vez com um sorriso e ganhei um "bom dia pra você também" de volta, fiquei, primeiro, surpresa, até boquiaberta. Depois, fiquei bem feliz. E lembrei do que minha mãe sempre diz: "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura." Não sei se ela vai continuar me recebendo com um sorriso daqui por diante. Não sei se vai responder quando eu falar com ela todas as manhãs daqui por diante. Nem sei se, de repente, ela teve uma noite maravilhosa e estava achando o mundo lindo e, por isso, resolveu devolver meu cumprimento. Mas não importa pra mim. Ela só me deixou certa de que um "bom dia" feliz, de manhã cedinho, mesmo quando a gente tem milhões de coisas pra fazer e decisões importantes pra tomar, faz tudo ficar mais leve. O sorriso dela me fez lembrar que não há mal nenhum em desejar o bem, mesmo que estejamos com um sono louco. E ela me fez ter a certeza de que, sim, "é melhor ser alegre que ser triste."

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O pedreiro

Minha irmã tem o dom de desencavar estórias do passado. Principalmente quando essas estórias fazem a gente morrer de rir juntas. Semana passada estávamos conversando sobre as aulas de tenis da Duda - filha mais velha da Sis - e ela estava me contando que a danada está jogando direitinho e que, quando a aula termina, ela ainda fica toda animada batendo bola com os "boleiros". Boleiros, pra quem não sabe, são os meninos que ficam na lateral da quadra enquanto rola o jogo pra resgatarem as bolinhas mas rapidamente para os jogadores. Aí, ela me falou que disse pro marido ficar de olho nesses jogos entre a Duda e os boleiros e eu perguntei porquê. "Não entendi, porque ficar de olho na Duda?" E ela respondeu: "É, ficar de olho porque daqui a pouco sei lá o que pode rolar enquanto eles estão jogando..." Perguntei a ela: "Mas quantos anos tem esses meninos?" E ela respondeu que eles têm em torno de 16 anos e, não é porque a Duda é minha afilhada e sobrinha, não, mas a menina é uma morena dessas de deixar qualquer menino louco. Um corpo escultural, uma bunda e uma perna de fazer inveja a qualquer malhadora, não tem um pingo de barriga a danadinha e uma carinha fofa demais! Enfim, perdição pra qualquer menino de 15, 16 anos que já está com os hormônios atuando na velocidade total... 

Então, eu falei com ela que a Duda nem está pensando nisso, que só tem 12 anos ... Aí ela desenterra uma estória minha de 1930 que, de algum modo, deve tê-la deixado traumatizada: "Pois é, a gente pensava que você também não estava nem aí pra nada disso e você já estava de olho no pedreiro, lembra?" Ai... Lembrar, lembrar, não lembrava, não. Tem coisas nessa vida que a gente prefere esquecer. Mas essas estórias parece que ficam alí guardadinhas pra gente poder se lembrar um dia e acabar rindo muito quando lembra. 

Eu e minha irmã éramos muito amigas de uma vizinha, a Andréa. Ela morava ao lado do nosso prédio e depois de alguns anos, a família dela comprou uma casa na rua de trás, só que da área de serviço do nosso apartamento conseguíamos ver toda a parte de trás da casa dela. Continuamos brincando muito juntas, lembro que era época de férias, eu tinha todo o tempo livre do mundo e devia ter uns 14 anos. A casa nova da Andréa ainda estava em obras, apesar de a gente viver indo até lá. Eis que um dia, chego na casa da amiga e me deparo com um rapaz que devia ter uns 17 anos, trabalhando na obra da casa dela, segurando uma enxada, debaixo daquele sol quente. O cara estava sem a camisa, usava uma bermuda jeans, todo suado. Cara, me lembro como se fosse hoje do peito dele suado, ele apoiando a enxada no chão e abaixando a cabeça pra enxugar a testa com as costas da mão. Gente, eu fiquei louca. Alguma coisa naquela cena fez meu coração pular e resultado: me apaixonei pelo pedreiro.

Lógico que não falei nada pra ninguém. Nem pra minha irmã e nem pra minha amiga. Mas quando eu não estava lá na casa da Andréa e podia dar uma olhada pra ele de vez em quando, eu estava na minha casa, por horas e horas, apoiada no parapeito da área de serviço entretida com a observação daquela criatura sem camisa trabalhando na obra da casa da minha amiga. Óbvio que não demorou muito pra Cleo - uma fofa que trabalhou anos na minha casa - perguntar pra minha mãe: "Ô, Dona Iris, o que tanto a Paulinha faz na área de serviço olhando pra casa da amiga???" Pronto. Ferrou. Todo mundo descobriu meu segredo. Na verdade, minha irmã que sempre foi muito esperta, cheia de maldade no coração, já tinha percebido há muito tempo e elas , a partir desse momento, me sacaneavam geral. Eu não estava nem aí. A coisa já estava evoluindo porque só um cego não perceberia que eu estava dando um mole danado pro pedreiro!!! E, em um final de tarde, finalmente, depois do dia de trabalho, a Andrea chamou o menino, que era o filho do mestre de obras da casa, pra ficar com a gente um pouquinho conversando enquanto o pai resolvia algumas coisas lá dentro com os pais dela. Enfim, nesse dia ele me chamou pra dar uma volta de bicicleta e eu, morta de medo de pagar um mico qualquer, cair da bicicleta - coisa que me acontecia com certa frequência - ou sei lá mais o quê poderia me acontecer nessa hora, fui. Não me lembro exatamente o motivo, mas paramos em uma rua próxima de casa, já na volta, e nos beijamos. E alí iniciou um namorico. Todo dia, depois da obra, ficávamos um pouquinho juntos antes de ele ir pra casa. 

Só que o pedreiro parecia um ogro. O lindinho sem camisa tinha os modos do Shrek!!! Era grosso toda vida, não tinha um pingo de delicadeza no trato com o sexo feminino e a coisa, é claro, não pode evoluir.  Além disso, o menino não queria saber dos estudos e eu NUNCA gostei de estar com meninos que  não me estimulassem intelectualmente. Inteligência é afrodisíaco pra mim tanto quanto um corpo malhado.  E, sendo assim, depois de 1 semana de passeios e beijos, esgotei minha cota de paciência e sumi da área de serviço e dei um tempo da casa da minha amiga também. Parei de olhar aquele peito lisinho todo suado porque me lembrava de como ele era rude no tratar, sabe aquela pessoa que precisa ser domesticada? Pois é, o pedreiro era assim. E, desse jeito, acabou-se minha pequena e encantadora experiência com o pedreiro. Nunca mais me interessei por ninguém que trabalhasse em uma obra, estando com ou sem camisa. 

Depois de todos esses anos eu já tinha até esquecido disso, se não fosse minha irmã me lembrar desse episódio, ele continuaria guardado lá dentro da cabeça em um cantinho bem remoto. Mas, como gato escaldado tem medo de água fria, minha irmã deve estar com um certo receio da filhinha linda repetir os passos da titia aqui e se enrolar com o boleiro do tênis. Será?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O lado bom

Essa semana fui almoçar com amigos do trabalho de quem gosto muito. E é sempre muito bom estar com pessoas legais e passar momentos rindo, compartilhando esse momento feliz e jogando conversa fora. Lógico que um dos assuntos foi sobre filhos. Mesmo que Malu e Renata não os tenham, são rodeadas por amigos e familiares com crianças e o assunto não é problema pra elas. 

Quanto à Malu, não sei se um dia terá filhos. Ainda não conversei com ela sobre isso. Entretanto, durante aquele almoço, durante aquela conversa toda sobre tantos assuntos, vi nos olhos na Renata algo diferente, algo que não via antes. Acho que está chegando a hora de ela e seu marido trazerem um bebê fofo pra vida deles. Não estou falando isso por ser vidente, ter bola de cristal ou coisa que o valha. Falo porque nela enxerguei a mim mesma há alguns anos. Falo porque vi em seus olhos um brilho que via nos meus quando me decidi, quando decidi que ser mãe seria uma experiência válida e que traria, entre tantas coisas, ainda mais amor pra mim e pro namorado nessa vida que estamos construindo. Os olhos da Renata são olhos de quem está sentindo que a vontade é maior que o medo, são olhos de quem pressente que a mudança por vir vai ser boa, olhos de quem quer pagar pra ver.  

E eu, que não romantizo maternidade, que não acho tudo lindo nem fico floreando meu dia-a-dia, que tento ser o mais verdadeira possível, comigo e com os outros, tenho que falar do lado bom também. Porque ele existe! O lado bom de ser mãe é quase um estado de espírito. Do mesmo modo que a culpa me acompanha sempre, o sentimento divino de amar de um jeito inexplicável também está sempre comigo. 

Minha vida mudou tanto desde que o Miguel nasceu. Muito mesmo. Mas não foi pra pior. Mudou e pronto. O nascimento do meu filho significou o surgimento de uma vida diferente pra mim. Vivo outra vida, é fato. Só que mesmo que sinta saudade da vida antiga, não quero mais voltar pra ela. Acordar e olhar pro rosto do Miguel não tem substituição pra mim. Não há nada que se compare ao meu coração TODOS os dias quando estou chegando na porta da creche pra buscá-lo. O coração bate mais feliz porque quando o Miguel ouve minha voz, sai correndo sorridente pra me abraçar e diz pra mim: "vamos pra casa, mamãe." Naquele momento, Miguel me resgata. Resgata do pior estresse que eu tenha tido no trabalho, me faz esquecer uma briga, uma preocupação qualquer. O olhar do meu filho tem o poder de tornar todo o resto pequeno, sem importância. 

Quando estamos deitados juntos, na hora de dormir, algumas vezes ele pede: "Me dá a mão, mamãe." Nesse instante eu me sinto a mulher mais importante do mundo. O ser mais desejado, mais amado do planeta. Mesmo que ele cresça e não precise mais da minha mão tão frequentemente, a lembrança desses dias vai alimentar minha alma pra sempre. Quando Miguel está com sono e olha pra mim com seus olhinhos rasgados e diz: "Qué colinho, mamãe..." Como posso dizer não? O cheirinho do corpo dele, o contato com sua pele macia, me faz pensar que o mundo é bom e, por um instante, esqueço as maldades da vida. Quando Miguel acorda e, ao invés de pedir pão e suco como café da manhã, diz que quer "papá" e vai batendo na geladeira onde guardamos a comida, pede macarrão, ou feijão com arroz e carninha, ele me ensina que devemos acordar assim todos os dias: com fome de viver. Miguel tem fome. Meu filho não pára um minuto e come bem. Acordar com fome é maravilhoso! E ver meu filho comendo também. Enfim, o lado bom de ser mãe é que, mesmo tendo milhares de momentos cansativos, dolorosos, preocupantes, mesmo sem dormir, sem a quantidade de sexo que desejamos, sem a liberdade que tínhamos em nossa vida antiga, somos felizes. O lado bom de ser mãe é que a gente passa por tudo isso e, se pudesse voltar atrás, passaria por tudo de novo. É uma experiência da qual não abriria mão. 

Nem todas as mulheres escolhem viver isso. Tudo bem. Não acredito que precisamos de filhos pra sermos felizes. Miguel não me completa, Miguel não me realiza como mulher. Não acredito nisso. Ele é apenas uma parte da minha vida. Não sou mais feliz hoje que era antes de tê-lo. Sou feliz de um jeito novo, um jeito único. Apenas a escolha de ser mãe transformou minha vida, muito. Mas preciso deixar claro que ter filhos é uma estrada sem volta.  Uma estrada que começa com esse olho brilhando que está na cara da Renata, muito antes até de se engravidar. Começa quando a idéia não sai da cabeça da gente. É estrada sem fim, que não tem mão dupla, estrada só de ida. Mas, de verdade? Nem precisa de mão pra voltar. Quando o filho nasce a gente sente, assim, simplesmente, sente, que não tem outro caminho. Só nos resta aproveitar a paisagem e, pode acreditar, Renata, eu não mentiria pra você: é gostoso. Vai por mim. 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Instinto de pai e mãe




Em um desses raros dias em que eu e o namorado estávamos deitados assistindo TV enquanto o Miguel dormia à tarde, estava passando a reprise de uma cena dessa novela "A Vida da Gente". Era a cena em que as irmãs (não sei o nome delas na trama) interpretadas pela Marjorie Estiano e Fernanda Vasconcelos, sofrem um acidente de carro e caem em um rio ou lago, não sei direito. No carro também estava a filhinha de uma delas, presa na cadeirinha no banco de trás.

A cena é bem forte, principalmente porque uma das irmãs fica desacordada e a irmã que estava ao volante fica tentando desesperadamente acordar e soltar a irmã que está no banco do carona enquanto o carro afunda e vai ficando submerso. Ela tenta muito, o tempo vai passando e eu fiquei angustiada porque só conseguia pensar no bebê no banco traseiro. Eu estava pensando que se fosse eu no carro com o Miguel na cadeirinha e estivesse com alguém desacordado ao meu lado, eu não pensaria duas vezes: arrancaria meu filho dali de qualquer jeito, ele seria meu primeiro pensamento. 

Eu não verbalizei isso, estava só pensando quando o namorado virou-se pra mim e perguntou: "Se uma situação dessas acontecer com a gente e eu ficar desacordado, você sabe o que fazer, não é?" Fiquei olhando pra ele, sabendo que ele estava pensando o mesmo que eu, que o primeiro a ser salvo era nossa cria. Ele completou: "Não pense duas vezes em salvar o Miguel. Ele tem que sair primeiro do carro, entendeu?" E eu falei pra ele que sim e que gostaria que ele fizesse o mesmo. Primeiro o Miguel. Sempre ele. 

Esse instinto animal de proteger a cria é incrível. É muito forte e toma conta da gente de um jeito indescritível. Meu filho é e sempre será filho de uma leoa, pronta pra defendê-lo de tudo o que eu puder. Mas existem tantas coisas das quais não poderei protegê-lo... Ele não estará debaixo da minha asa em todos os momentos, é fato. Espero que ele saiba se defender, espero estar criando o Miguel de um jeito que o deixe forte o suficiente pra gritar, pedir ajuda, forte suficiente pra decidir voltar se, por acaso,  escolher algum caminho errado. Luto todos os dias pra transformar meu menino em um cara legal porque sei que meu instinto materno não vai protegê-lo de todas as dificuldades da vida.

Que os anjos de guarda estejam com meu bebê, que Nossa Senhora o cubra com seu manto azul e que São Jorge acalme meu coração porque tenho um medo danado de alguma coisa acontecer com meu filho.