quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Falta de Educação

Eu custei muito a levar em consideração a ideia de ter filhos. Quem olha de longe pode pensar que foi por egoísmo ou preguiça. É claro que eu tinha uma certa insegurança com relação a organização da minha vida, quanto a perda da liberdade, tinha muito medo de ficar tolida e, de certa forma, isso acontece mesmo. Quem diz que filho não tira a liberdade de escolher, de ir e de vir, está mentindo. Só que como ter filho é uma escolha, me preparei pra lembrar disso: que Miguel veio ao mundo por escolha minha e que eu SABIA que minha vida não seria mais a mesma. Isso é fato. Tudo bem que não estava preparada pra todas as mudanças e nem pra intensidade delas, mas acho que, pra isso, nunca ninguém está. A verdade é que sempre tive muito medo de todas as transformações que ter um filho opera na vida da gente mas, principalmente, tinha medo de não conseguir ser pra meu filho o que meus pais foram pra mim.

Quando digo isso, refiro-me a saber educar, a ajudar meu filho a ser um homem que saiba que o direito dele acaba quando começa o do próximo. Exatamente por lidar com educação é que tinha tanto medo. Ao longo dos anos, venho presenciando pais que têm seus filhos mas não querem ter trabalho pra educá-los. Vejo famílias permissivas que deixam na mão de seus filhos escolhas que deveriam ser feitas por eles, já que uma criança ou adolescente, muitas vezes, não têm a menor condição de decidir o que é bom ou ruim pra seu futuro. Vejo pais que colocam sempre a culpa nos professores, nos colegas de classe do filho, no mundo. Hoje, responsáveis delegam a tarefa de educar a terceiros: creche, escola, curso de idiomas, vizinhos, babás. Nunca nada de ruim é feito por seus filhos, eles nunca tem culpa de nada, porque é mais fácil passar a mão na cabeça agora e minimizar os problemas que lidar com a situação e traçar um plano que venha corrigir e educar. Essa situação é atordoante, acreditem, quando você lida com isso diariamente. 

Há pouco tempo, fui à festinha de 5 anos do meu afilhado. Logicamente, a maior parte das crianças também tinha 5 anos, assim como o Miguel. E o que vi na festinha foi apavorante. Eu não tenho mais tolerância pra criança mal educada e muito menos pra pais dessas pobres crianças, porque passo meus dias na função de levar valores de respeito pras crianças dentro da minha escola e dentro da minha casa. É uma preocupação constante, que não me deixa nunca. Por isso, torna-se difícil ver um menino de 5 anos furando uma fila e ouvir seu pai falar ao ver o que o filho fez:

- Olha lá! Fulaninho já furou fila de novo! Esse menino! hahahaha

O pai virou as costas e continuou sua conversa como se nada tivesse ocorrido, como se furar fila fosse normal. Pelo tom, dá até pra pensar que ele acha engraçadinho seu filho mostrar o quanto é "safo" ou "esperto". E o filho, que vê no pai alguém conivente com sua atitude, começa a entender que pode tudo e, pior, começa a entender que, talvez, seu pai não se importe tanto assim com ele porque está deixando passar uma oportunidade para educá-lo com carinho. Naquele momento, a leitura feita pela criança pode ser apenas a de que o papo que o pai está levando com o amigo é mais importante que dar atenção ao filho fazedor de besteiras.

Meu filho não é um primor de educação, mas estou batalhando firmemente para que seja. Não admito falta de respeito, não obedecer, não honrar a casa de seus amigos. Miguel precisa respeitar o espaço dos outros, nem que pra isso seja tido como um idiota. É preciso ter convicções de valores muito fortes para não sucumbir e acabar achando "que o mundo é dos espertos" ou dos que preferem adotar a postura de que não sabem de nada e, por isso, nunca tem culpa, nunca assumem responsabilidades, nem arcam com as consequencias de seus atos. Vivemos em um pais sem moral, onde nossos governantes não passam nenhum exemplo positivo. E isso se alastra por toda a sociedade e se infiltra, infelizmente, no seio da família. Justo na família, que aprendi ser - e vejo que é mesmo - o núcleo social mais importante para a formação de um ser humano.

Ainda na mesma festa, onde as crianças brincavam com os créditos que recebiam em um cartão, várias vezes crianças acompanhadas de seus pais, ficavam brincando repetidamente, quantas vezes quisessem, enquanto uma fila de espera se formava ao lado do brinquedo. O jogo acabava e o pai passava o cartão novamente, sem se preocupar se havia outras crianças querendo usufruir da diversão. Hugo precisou, depois de ver o terceiro "game over" aparecer na tela do brinquedo, declarar:

- A vez do seu filho já terminou, ele deve entrar no fim da fila pra brincar novamente. 
O pai ainda argumentou:
- Não, ele ainda não acabou. Só mais um pouquinho.
E o Hugo repetiu:
- Ele precisa entrar na fila novamente. Na tela está escrito "game over" e isso quer dizer que a vez dele já passou. Saia do brinquedo, por favor. 

Precisava disso? Sempre é necessário que se lute por coisas tão básicas, quanto respeitar a vez dos outros? Parece que sim. No mesmo brinquedo, enquanto Miguel jogava, um outro menino chegou perto e perguntou pro Hugo:

- Você pode passar o cartão pra mim, tio?
Hugo respondeu:
- Assim que Miguel acabar eu passo o cartão pra você. Onde está seu cartão?
O menino de 5 anos respondeu:
- O meu cartão, não, tio. Ele já acabou. Quero que você passe o cartão do seu filho pra eu brincar. 

Oi??

Pois é. Isso mesmo. Hugo, que não tem papas na lingua, falou logo que ele pedisse mais créditos pro pai dele porque se ele brincou com todos os créditos dele, o Miguel também o faria. Agora, pensem bem, um menino pequeno que já é adepto do "só tem esperto no mundo porque tem otário". Só que falou com os "otários" errados. 

Na hora do parabéns, foi uma tristeza. Antes mesmo de cantarmos parabéns, os meninos já estavam atacando a mesa, pegando os doces. Os pais estavam todos ali, observando os filhos estragarem a decoração da mesa antes mesmo do aniversariante ter seu momento especial. Ninguém, nem um pai, nem umzinho, falou NADA. Foi como se nada estivesse acontecendo. Todos entretidos com suas conversas, com seu copo de cerveja. Miguel olhava pra mesa e olhava pra mim. Titubeando na hora de decidir o que fazer, resolveu chegar perto e me perguntar:

- Mãe, posso pegar brigadeiro?
Eu respondi que não, que só se pode pegar os doces da mesa do bolo depois de cantar parabéns para o aniversariante. Miguel questionou:
- Mas os meninos já estão pegando os doces, mãe. Não vai sobrar nenhum pra mim. 
Eu expliquei:
- Filho, eles estão errados. Isso não é educado. Ainda vai ter brigadeiro depois do parabéns. Se não tiver mais, eu prefiro comprar brigadeiro pra você comer, mas não quero que você faça como esses meninos. Você gostaria que sua mesa do bolo ficasse toda desmontada antes da hora do seu parabéns?
Miguel se calou, pensativo, e assim que acabou o parabéns, me perguntou:
- Agora posso pegar os doces?, e lá foi ele pegar quantos doces quis, na hora certa. 

Enfim, saí da festa com uma mistura de sentimentos. Sentia uma falta de esperança no futuro do país, sabe? Vendo tantas crianças que crescerão sem um pingo de limite, achando que tudo o que quiserem é possível, é aceito, crianças que se tornarão adultos inconsequentes. Enquanto as pessoas delegarem a responsabilidade da educação dos seus a outros, só deixarão no mundo egoístas, pessoas que só pensam em si, que não enxergam nada além do próprio umbigo. Senti uma tristeza por parecer uma tola num mundo de espertinhos. Depois, me arrependi de ter sentido essa tristeza, pois isso só expõe minha própria fraqueza. Não devo ter autopiedade por agir certo. Isso significa que preciso ser ainda mais firme em minhas convicções, que tenho que ser mais forte e sentir-me grata pelos valores recebidos em casa e por ter consciência do quanto preciso perseverar nessa tarefa árdua de educar meu filho, custe o que custar. Se o preço a pagar é parecer idiota, que assim seja. Mas não vou me contaminar e nem deixar-me levar por essa onda de falta de respeito e educação generalizadas. Eu sabia que ter filho me daria trabalho e sabia também que teria trabalho triplicado pra fazer dele um cidadão de bem. Estou me jogando nessa tarefa. Estou plantando pra que meu filho possa colher os frutos. E para que ele, amanhã, possa plantar o bem, assim como meus pais fizeram por mim.

2 comentários:

  1. Impressionante Paula!!!! Gostei demais dessa autópsia social!! Sim pq uma sociedade que age assim com suas crianças está caminhado para a morte simbólica! Parabéns! Gostaria de levar seu texto ou parte dele para citá-lo em minha aula, se vc permitir e com os devidos créditos a vc

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    1. Poxa, Paulinho, seria uma honra pra mim!! É claro que permito! Obrigada!! Beijos!!

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