terça-feira, 2 de setembro de 2014

O Amor do meu Pai



O amor dos pais por seus filhos muitas vezes só é compreendido quando esse filho vira pai. Ter um filho faz a gente entender tanta coisa, faz a gente amar ainda mais nossos pais porque sentimos na pele toda apreensão, dor e preocupação que nossos pais sentiram e sentem por nós. Sorte daquele que tem seu pai e mãe por perto pra poder agradecer tudo o que recebeu, tudo o que foi ensinado. Eu tenho minha mãe ainda e posso agradecer todos os dias a ela pela mãe maravilhosa que é. Dona Iris é minha referência, é meu exemplo de mãe, é uma bússola. E ela sempre esteve ali, próxima de mim. Nunca agradecerei o suficiente por tanto amor e dedicação. Com meu pai a história é diferente... Ele não era o amor certo, eu não sabia muito bem o que esperar. E não agradeci tudo o que queria em vida, porque quando Miguel nasceu e eu comecei a entender tantas coisas, meu pai já havia desencarnado há 10 anos. 

Toda a compreensão que tenho hoje da vida, embora ainda saiba tão pouco, me faz querer agradecer ainda mais por tudo o que ele fez por mim. "Seu" Mariano tinha milhões de defeitos, era um cara de poucas palavras, mas hoje entendo tudo. Lógico, muitas vezes sofri por conta do jeito seco dele. Mas entendo o porquê desse jeito e sou grata porque em todas as vezes que ele me viu sofrer ou fazendo a coisa errada, ele não se omitiu. 

Meu pai fazia entrega de peixes para os vários bons restaurantes da cidade e acordava bem cedinho pra ir buscar o pescado e poder fazer as entregas a tempo de os pratos serem preparados para o almoço. Então, no máximo 1 hora da tarde meu pai já estava em casa. Chegava com aquele cheiro de peixe entranhado nas roupas, na pele. A Kombi dele também era o puro cheiro de peixe. Eu não gostava nem de chegar perto. E tinha vergonha. Eu achava bonito os pais que trabalhavam engravatados, achava elegante e gostava do cheiro de perfume deles, tão diferente do cheiro de peixe do meu pai. Mas meu pai me amava tanto, que fingia não notar esse meu desconforto. Ele me amava tanto que, todas as vezes que ele via minha irmã  e eu voltando da escola a pé (era uma boa caminhada) ele SEMPRE parava a kombi ao nosso lado e nos oferecia uma carona. Meu pai me amava tanto que mesmo sabendo que eu diria "não, obrigada, perfiro ir andando", ele sempre me dava a chance de tornar-me melhor. Ele acreditava nisso, que um dia eu não teria mais vergonha e entraria feliz em sua kombi fedorenta. 

Eu devia ter uns 8 anos quando cheguei em casa toda animadinha e fui contar pro meu pai o motivo da minha animação. Era hora do almoço e meu pai estava em casa a essa hora porque, como eu disse, ele não trabalhava até tarde. Contei pra ele que na saída da escola fui comprar bala e que, enquanto o baleiro se virou pra pegar a bala que eu pedi, eu "apanhei" um chiclete. E não paguei por ele. "Seu" Mariano ficou muito bravo e eu nem entendia o porquê de tanta braveza. E ele me disse entre muitas coisas que o que eu havia feito tinha nome: roubo. E que isso era desonestidade e inaceitável. Meu pai me amava tanto que me fez voltar a escola na mesma hora pra devolver o chiclete ou pagar por ele. E eu morri de vergonha e não entendi o quanto de amor tinha naquela bronca. Mas entendi que pegar algo sem pagar, seja lá o que fosse, era errado. 

Já mais velha, meu pai me via sofrendo por um namorado. Eu não saía mais, queria ficar sozinha e ele me via esperando ansiosa o telefone tocar. Só que ele nunca tocava. Passamos uma semana inteira sozinhos em casa porque minha mãe e irmã tinham viajado pra Saquarema e eu não quis ir por causa do garoto. Bom, meu pai venceu seu jeitão calado e entrou no meu quarto e falou: "Filha, o medo de perder, tira a vontade de ganhar. Pensa nisso." Meu pai me amava tanto que a dor de me ver sofrer fez com que ele quebrasse seu silêncio, fez com que viesse falar comigo e me mostrasse com poucas palavras que muitas vezes a gente se concentra tanto em não perder o que se tem, que esquece que deixando o que se tem ir, pode-se ganhar o mundo. Meu pai me amava tanto que me libertou sem saber. 

Não sei se é porque esse ano faz 15 anos que estou sem ele perto de mim que fiquei lembrando dessas coisas. Não sei se é porque estou simplesmente com saudade dele mesmo. Ou se é porque estou aprendendo demais com o amor que sinto por meu filho. Só sei que quero agradecer a "Seu" Mariano por todas as vezes que demonstrou seu amor por mim. E pedir desculpas por, muitas vezes, aliás, na maioria das vezes, eu não ter entendido suas atitudes como demonstração de amor, apenas como chatice. Quero que ele receba, onde quer que esteja, essas palavras:

- Pai, hoje eu lhe entendo. Obrigada por me amar tanto. Eu também lhe amo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário