terça-feira, 18 de novembro de 2014

Esqueceram o Miguel



Minha família é uma bagunça muito gostosa. Parecemos um bando quando estamos juntos. Todo mundo fala ao mesmo tempo, todo mundo ri às gargalhadas, o volume é tão alto que parece que os vizinhos vão chamar a polícia a qualquer momento quando a macacada está toda reunida. Então, dá pra concluir que não somos muito normais mesmo, mas também não chegamos a ser loucos. Pode acreditar, nós não rasgamos dinheiro. Só que eu acho que na escola do meu filho eles devem achar que a gente deveria estar no hospício. Como se não bastasse a mãe da criança mandar merenda com data de validade vencida há mais de 1 mês pro filho lanchar, ontem a situação conseguiu ficar pior ainda.

Miguel sai da escola às 17:20. Às segundas-feiras, Itallo - o "Dido" querido do meu filho - vai buscá-lo. Terças e quartas são os meus dias. Quintas e sextas são os dias do Hugo. Em algumas ocasiões, de acordo com os compromissos de trabalho, fazemos um troca-troca, mas, em geral, é assim que a banda toca. Pois é. Ontem foi segunda. Dia do padrinho. Paula estava relaxada, sem correria em seu trabalho porque não precisava sair cedo, quando às 18h meu celular tocou.

Era a Simone ligando da escola. Assim que ela se identificou, olhei pro relógio e pensei que naquela hora Miguel estaria cansado de já estar em casa e que ela deveria estar me telefonando pra contar alguma coisa que tivesse ocorrido na escola. Sei lá, alguma besteira que Miguel tivesse feito ou pra falar que esqueceu a merendeira ou que rasgou o uniforme. Enfim, pensei várias coisas, menos o que ela me diria depois:

- Paula, é que Miguel está aqui na escola.

Oi??? Como assim? Olhei pro relógio meio abobadamente, eram 18h e ninguém tinha ido buscar meu filho?? Minha mente estava processando a informação em câmera lenta e eu tentava raciocinar se tinha confundido o dia da semana, se o Itallo tinha me dito que não poderia ir buscar o afilhado e eu, sabe-se lá porque razão, havia deletado a informação da memória. Estava tentando ainda me situar no espaço e tempo quando ouvi a voz do meu filho ao fundo conversando calmamente com alguém. E aí entendi que, sim, Miguel ainda estava na escola. Então consegui perguntar tentando parecer um pouco menos idiota:

- O Miguel está aí? Ainda?

Talvez a Simone tenha tido vontade de dizer: "Dããããããããããã!!!! Claro, né, Paula. Se estou ligando pra você..." Mas não foi isso o que ela fez, óbvio. Muito educadamente, respondeu:

- Sim, Paula. Ninguém veio buscá-lo.

Bom, consegui dizer que estava indo pra lá e peguei a chave do carro que estava em cima da minha mesa. Antes de sair correndo feito doida em direção ao meu carro, peguei também o celular e liguei pro Itallo. Ele atendeu e eu falei:

- Itallo, você me avisou que não iria buscar o Miguel hoje?

Itallo respondeu:

- Não, Paula... Desculpe... Eu esqueci completamente! Já estou aqui na esquina da escola. Perdi a noção do tempo e não lembrei mesmo... Mas já estou chegando!! Não precisa sair do trabalho!

Do jeito que o Itallo estava desarvorado, deu até pra sentir pena dele. Coitado. Tem coisas que é melhor que aconteça com o filho da gente que com o filho dos outros. 

Eu fiquei ansiosa pra falar com o Miguel, pra saber  como ele estava, se tinha se sentido mal por ter ficado esquecido na escola, se tinha chorado. Afinal, eu vejo essa situação acontecer com certa frequência aqui no trabalho. Os pais, às vezes, esquecem da hora de buscar os filhos mesmo. Só que a maior parte das crianças fica bem angustiada, sem saber o que aconteceu. Muitas choram, se desesperam, ficam inconsoláveis. Não foi o caso do Miguel. Pra minha surpresa, Miguel estava ótimo. Conforme eu ouvi pelo telefone, ficou na escola muito tranquilo, conversando. Ficou um pouco preocupado quando ele viu que não havia mais nenhuma criança pra ser apanhada pelos pais, só restava ele. E Simone disse que a única insatisfação que demonstrou foi dizer que não queria dormir na escola. Ai, meu Deus. ´Tadinho do meu filho. Deve ter pensado: "Eu não me importo de ficar aqui, ok. Eles podem até demorar mais umas 3 horas pra vir me buscar, mas, por favor, dormir aqui já é demais!"

Itallo falou que pediu desculpas ao Miguel, mas que foi recebido por ele com o mesmo sorriso de sempre, a mesma alegria.

A escola deve achar que Miguel nasceu na família errada. Ou achar, no mínimo, que somos todos surtados. A mãe manda merenda vencida pro filho. O padrinho esquece do menino na escola. E ele nem desesperado ficou. Miguel é mesmo um garoto bacana. E a verdade é que no meio dessa loucura toda, meu filho tem certeza de que é MUITO amado. E, no final das contas, é isso que vale.



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