sábado, 21 de fevereiro de 2015

Expectativas



Até o ano passado eu estava afastada da terapia. Tirei férias, depois de 11 de divã. Mas em abril senti uma necessidade intensa de voltar porque percebi que precisava de ajuda, de novo. E quem me mostrou que eu precisava ser ajudada foi o Miguel. 

Comecei a perceber que tudo o que eu sabia na teoria, eu não estava conseguindo colocar em prática. Exemplo: "Cada criança tem seu tempo e precisamos respeitar isso." Ok. Tudo muito bacana nessa teoria linda. E a verdade é que achamos lindo porque até ter filhos você pensa, secretamente e sem confessar nem pro seu travesseiro, que o tempo do seu filho vai ser rápido. Ele vai aprender tudo na frente de todo mundo. E aí você vê que não é bem assim. Seu filho não é um super dotado. Seu filho é uma criança normal e que, sim, é muito esperto, mas têm interesses diversos dos seus. Você acha bonitinho o filho do vizinho estar escrevendo o nome inteiro quando seu filho só escreve o primeiro. Que fofo o fulaninho que sabe todas as letras do alfabeto... Seu filho ainda não. AINDA. Aí é que está. Mas as expectativas começam a dar na sua cara. Elas não lhe dão trégua. E batem forte.

Eu estava "preparada" pra isso. Pelo menos eu achava que estava. Só que Miguel chegou na minha vida pra isso mesmo, pra me tornar alguém melhor, pra me fazer enxergar o que eu não conseguia antes, pra ver outras nuances, outras cores. Só que isso não é fácil, muitas vezes dói. Na minha cabeça eu estava pronta pra conhecer aquele serzinho que ficou crescendo na minha barriga, eu estava pronta pra entender seu jeito e a deixar as coisas fluirem, sem pressão. Só que na hora que eu ouvi na escola: "Seu filho é uma alegria, vem pra escola muito feliz. A gente nota como ele interage com todo mundo, como ele tem vida! Mas Miguel não quer nada!", surtei. A frase foi a coisa mais sem sentido que alguém poderia ter dito pra uma mãe a respeito de seu filho de 4 anos, mas me afetou muito. E foi então que eu notei que precisava de ajuda. Ser afetada por uma frase que diz que um menino de 4 anos "não quer nada" me fez perceber que algo não estava bem. No final das contas, um menino de 4 anos "não querer nada" é a coisa mais normal do mundo! Qual a criança de 4 anos não quer brincar? Não quer conversar e rir com seus amigos? Qual a criança de 4 anos quer aprender matemática? Qual a criança de 4 anos quer ficar quietinho, sentadinho por horas? Só que eu achei que a frase dita assim, de sopetão, me pegando totalmente de surpresa e sem maiores explicações, estivesse condenando meu filho e eu também me senti condenada. Como sempre, a mãe sempre se culpa por tudo. Até pelo que não tem culpa.

Percebi que eu bobamente achava que não tinha nenhuma expectativa. Pensava que procuraria entender e acompanhar o crescimento do meu filho aceitando sua singularidade, sem impor minhas vontades ou predileções, mas nada disso era verdade. Eu tinha, sim, muitas expectativas que eu esperava que ele preenchesse. Eu esperava que ele correspondesse ao ideal de filho perfeito que eu tinha na minha cabeça. Mais ainda, eu esperava que ele, sendo o que eu achava que era perfeição, não sofresse. Miguel tinha 4 anos e eu surtei porque percebi que ainda faltava muito pra mim e que a última coisa na face da terra que eu queria era encher meu filho de pressão, era que ele se sentisse pressionado a corresponder a algum diacho de padrão estabelecido por quem quer que fosse, muito menos pela própria mãe. Por isso, voltei correndo pra psicoterapia. Terapia me salvando, mais uma vez. E, por tabela, salvando meu filho. 

Hoje, lendo uma entrevista de um psicólogo português, Eduardo Sá, senti-me ainda melhor nesse caminho de volta à sanidade que busquei há um ano. A entrevista é toda muito boa, mas o trecho que me tocou muito é o que segue:

Rita: O que o pai e a mãe devem exigir do filho?
:Que seja honesto, que seja humilde, que escute quem lhe mereça admiração, que jamais esqueça que quem foge de errar vive preso no erro e que perceba que ao orgulho se chega quando vencemos, com a ajuda dos outros, as nossas dificuldades (ao contrário da vaidade que representa a veleidade de os vencermos a eles).
Rita: No livro, o senhor afirma que os bons filhos não são os que tiram melhores notas. Por quê? Quais são os bons filhos?
:Bons filhos são aqueles que percebem que errar é aprender. São aqueles que, mesmo depois de entrarem na escola, continuam perguntando “por quê?”. E que percebem que os pais não são necessários para o crescimento dos filhos, mas são indispensáveis. É por isso que eu acho que os bons filhos não são aqueles que não dão problemas aos pais mas, sobretudo, aqueles que lhes põem problemas. Porque é à custa desses desafios que os pais crescem e se tornam melhores pais.

Sabe, não posso deixar de agradecer ao meu filho por ser exatamente como ele é. Ele é a medida do que eu precisava. É plano de Deus pra mim. Ele é o presente de Deus, desde que estava na minha barriga. Miguel me faz a todo instante querer ser melhor, ele me faz querer aprender, evoluir. Miguel me testa, me eleva, faz com que eu sinta dores, culpas, desespero. Miguel faz com que eu me sinta louca, diva, miserável, rica. Faz com que eu sinta alegria, o maior amor, a maior felicidade também. E por mais contraditório que tudo isso possa parecer, sinto-me progredindo não só como mãe, mas principalmente como pessoa. Buscando ser melhor mãe pra ele, torno-me um ser humano melhor. Antes era só por mim. Hoje quero ser melhor por nós dois e pro mundo. 

Filho, seja do jeito que você for, eu lhe amo. Muito. Pra sempre. É como sempre lhe digo antes de dormir: "Você é minha vida, meu presente." Estamos juntos. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário