quinta-feira, 9 de junho de 2011

O expresso do alívio

Texto lindo que expressa o que penso sobre o meu time e minha felicidade do dia de hoje... Divido com vocês o texto do Gustavo Poli e peço permissão a ele para fazer das suas palavras, as minhas.




"Foi uma vitória maiúscula, daquelas que arrepiam até os não-torcedores. Uma vitória suada, sofrida, disfarçada de derrota. Uma vitória em forma de via-crúcis, que fez um um grito nacional deixar milhões de engasgadas gargantas. A palavra vice sendo enviada para o nunca, na carona de um palavrão, ecoou Brasil afora. O Vasco voltava a ser Vasco, depois de tanto sofrimento, depois de tanto quase.

Em tempo de bondes e trens-bala, pouca gente lembrou da metáfora ferroviária original. Do tempo de um outro Vasco, o Vasco de Ademir, o Vasco melhor time da América, base da seleção de 50. O Expresso da Vitória hoje é um retrato na parede – esquecido moralmente durante anos pelo próprio Vasco, nos quase 20 anos em que cuspiu em sua própria imagem.

Os anos euricos transformaram o Vasco em vilão nacional, num poço de antipatia. Mesmo as vitórias traziam a nódoa da desconfiança, da arrogância, dos acordos surdos e insondáveis. Foi naquele vasco, minúsculo, que um ídolo foi sangrado e outro foi expulso da tribuna. Foi naquele vasco, ironicamente, que a palavra vice foi tatuada – em derrotas inesperadas e aparentemente cármicas. Foi aquele vasco, embora já de pele e direções novas, que foi rebaixado, espancado e humilhado.

Algo mudou em São Januário. O vasco-joão-bafo-de-onça saiu de cena, voltou o mestiço simpático que lutou contra o preconceito, que encarou a humilhação de frente; o vasco popular, de lapis atrás da orelha, mordendo a coxinha no boteco ou na padaria. O Vasco sempre foi o mais povão dos times cariocas, o menos elitizado, o mais barriga na bancada, palito na dentadura. E sempre foi assim com orgulho, cuspindo farofa e sorrindo, sem medo de suas origens.

Três imagens da decisão em Curitiba grudaram na retina. A primeira, observada pelo repórter Eric Faria, no fim do segundo tempo. No banco de reservas, Diego Souza e Felipe não conseguiam sequer ver o jogo. Diego sentado, de costas para o campo. Felipe, como um esquimó súbito, afundado em seu capuz. Um rezava e sofria, o outro sofria e rezava – mãos nos rostos, como se ecoassem baixinho o sentimento de cada vascaíno – “acaba, jogo, por favor”.

O Vasco estava tão perto… e tão longe. Os minutos passavam, as bolas do Coritiba passeavam perigosamente perto da área. Cada cruzamento era um parto e uma dor. O desespero era palpável – dos dois lados. O Coxa, perto de uma altura inédita. O Vasco, perto da redenção necessária – da expulsão do estigma da derrota última. Felipe e Diego oravam como milhões de vascaínos pelo Brasil – enviando cada bola para a distância.

A segunda imagem veio após o jogo. No campo já deserto, o melhor jogador da partida, Éder Luís, deu uma entrevista solitário. De touquinha, sorrindo com os dentes separadíssimos, segurando o troféu nos ombros. Tudo na cena parecia estar no diminutivo. O rapidinho Éder com aquele trofeuzinho indo pra casinha –o mineirinho por definição – a humildade em pessoa. Era muito Vasco – a digestão pelas beiradas, o time da virada num ano que começou catastrófico, com derrotas humilhantes e pênaltis enviados em missão lunar.

O Vasco mineirinho, o Vasco mestiço, o Vasco que misturou casagrande & senzala desde o início de seu futebol. O Vasco que é zona norte e zona sul – o Vasco Marcos Palmeira e Camila Pitanga, Vasco Fernanda Abreu e Paulinho da Viola, Vasco Unidos da Tijuca e Bruno Mazzeo . O Vasco que teve um presidente mulato 100 anos antes de Obama. A cruz-patéa, que os anos cuidaram de transformar em cruz-de-malta no imaginário popular – voltou a bater no peito.

A terceira e última imagem foi do goleiro Fernando Prass. Depois de correr, berrar, gritar, ser atingido por uma pilha e comemorar, Prass encostou numa amurada… e chorou. Chorou, ainda de luvas, as lágrimas de alívio eufórico que o Vasco há tanto buscava.

Foi bonito, foi sofrido, foi até o ultimo minuto. Houve quem dissesse que jogo não foi bom – e tecnicamente não foi. Mas e daí? Foi daqueles jogos que fazem o suor saltar dos poros. Se você diz gostar de futebol e achou chato o épico do Couto… de repente vale a pena experimentar bocha. A nau voltou, amigos – e isso, gozações torcedoras à parte, enriquece o futebol do Rio – e o futebol brasileiro. O Vasco sempre foi vanguarda – não tinha direito de se transformar em atraso. Hoje é aquele dia em que todo palavrão que ecoa é justo, é puro, é até bonito."



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